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11 DE AGOSTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA. PARA QUAL CLASSE?

Quarta, 10 Agosto 2022 12:13

No próximo 11 de agosto, será lida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, acompanhada de um ato, uma carta em defesa da “democracia”. A carta, hoje com mais de 800 mil assinaturas entre sociedade civil, políticos, artistas e empresários, foi elaborada por professores da Faculdade de Direito em resposta aos últimos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas, mais especificamente. No dia 18 de julho, Bolsonaro convocou embaixadores para uma reunião na qual levantou suspeitas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. A partir deste fato, todos os seus corriqueiros ataques às urnas eletrônicas passaram a ser qualificados como “ameaças golpistas”. O receio é de que, diante da quase certa derrota nas urnas em outubro, Bolsonaro consiga movimentar sua base mais radical e armada numa tentativa, como uma boa farsa, de “invasão ao Capitólio". Alguns poucos, de fato, acreditam num apoio e ação das Forças Armadas na execução de um golpe e consequente implantação de uma ditadura militar. Dessa forma, crescem os apelos à defesa da democracia contra as “ameaças golpistas” de Bolsonaro.

A FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) também articulou seu manifesto “Em defesa da democracia e da Justiça” com a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) no qual exalta a “robustez” da nossa democracia e os papéis do Tribunal Superior Federal e do Tribunal Superior Eleitoral como “guardiões” das instituições do estado democrático de direito brasileiro. Essa segunda carta, uma resposta da burguesia para o governo Bolsonaro e seus resultados desastrosos na economia, também será lida no ato da Faculdade de Direito no dia 11 de agosto. Somam-se à assinatura desta carta, as principais centrais sindicais do país, como CUT, CTB, CSB, Força Sindical e Intersindical, não mais disfarçando seu compromisso com a conciliação de classes e com as eleições burguesas, para que possam pleitear (novamente) postos no provável próximo governo de Lula e Alckmin. Assim, para o reformismo abraçado com um setor da burguesia, contra as ameaças golpistas de Bolsonaro, defendem-se as eleições burguesas com voto na chapa Lula-Alckmin. Qualquer outra alternativa é golpismo ou sectarismo. Nenhuma surpresa. Essas direções passaram os últimos dois anos sob a pandemia fazendo palanque eleitoral sobre os mais de seiscentos mil mortos e os milhões de famélicos em todo o país, recusando-se a fazer o enfrentamento organizado, direto e classista, contra o governo Bolsonaro.

Os partidos e correntes centristas também envolvidos nas eleições burguesas sob o "Pólo Socialista e Revolucionário” e cuja política se define, durante o último período, pelas exigências ao estado burguês, hoje adota o discurso da independência de classe para defender a “democracia” sem conciliação com a burguesia, chamando a participação nos atos apoiados pelo empresariado em 11 de agosto.  Para o MRT, a FIESP “tenta se pintar” como defensora da democracia, porém tendo apoiado o “golpe” em 2016 e a eleição de Bolsonaro, definindo aqui um antagonismo entre democracia e golpe. Defende a luta pela “democracia que precisamos” ou uma democracia com “conteúdo democrático dos trabalhadores”, através da luta com “independência de classe e auto organização pela base”. Dessa forma, apresenta e confunde “democracia” com governo, sendo passível a mudança de seu conteúdo de classe, como uma democracia dos trabalhadores. Já o PSTU, apesar de fazer algumas considerações sobre o caráter de classe da democracia burguesa e defender a organização da “autodefesa nas nossas entidades de classe”, afirma que a ultradireita burguesa deve ser derrotada junto com o “sistema” que a gerou e que para tanto é necessário um “programa socialista, operário e revolucionário”. Fica nítido que esse programa não é um programa transitório para aproximar os necessários enfrentamentos à revolução socialista, mas um programa de governo assumido pelo Pólo Socialista; e a conclusão disso é: “por isso é um erro apoiar Lula no primeiro turno”, deixando claro que “entrar em ação com independência de classe” tem um prazo de validade.

Apesar da bravata “independência de classe”, é clara a adaptação do centrismo ao estado burguês, como se a democracia burguesa ainda pudesse desempenhar algum papel progressivo para a revolução socialista. Os programas apresentados como programas de governo “revolucionários” suprimem a luta de classes, a necessidade da revolução socialista e a implantação da ditadura do proletariado, pois ficam nos marcos da democracia burguesa, como se alguma de nossas bandeiras históricas pudesse ser levada à cabo pelo parlamento burguês. Para o centrismo é “revolucionária” a democratização da polícia, a descriminalização das drogas e do aborto, a “gestão” operária e a estatização de empresas sob o estado burguês, bastando para isso, aumentar a bancada de “revolucionários” no parlamento. Em 1920, Trotsky escrevia: “Não sem razão, a palavra ‘democracia’ tem no dicionário uma dupla significação. Por um lado, designa o regime fundado no sufrágio universal e nos demais atributos da ‘soberania popular’ formal. Por outro lado, designa as próprias massas populares, na medida em que tem uma vida pública. Nestes dois sentidos, a noção de democracia se ergue por sobre as considerações de classe.” Dessa forma, é comum dentro dessas organizações, sua pulverização em movimentos sociais e suas pautas, abandonando de vez o programa transitório, que traduz o princípio de independência de classe, à destruição do estado burguês.

Lênin, na famosa discussão com Kautsky, já afirmava: “Um liberal fala naturalmente em ‘democracia’ em geral. Um marxista nunca se esquecerá de colocar a questão: ‘Para qual classe?’.”1 Em 2020, em plena pandemia, já escrevemos sobre os apelos à democracia das direções reformistas e das correntes centristas frente às ameaças de “golpe” de Bolsonaro: “A democracia como contraposição ao golpe fascista, mascara o caráter de classe de ambas as formas de dominação. (...) A democracia burguesa não serve aos trabalhadores, é a ditadura de classe do capital, é a democracia da ínfima minoria, a democracia dos ricos! O fechamento do regime, alentado por Bolsonaro na forma de uma ditadura, tem implicações sérias na organização dos trabalhadores e no aumento da repressão, mas não muda o caráter de classe da democracia burguesa. As liberdades democráticas nunca impediram o massacre diário da classe trabalhadora sob a exploração capitalista, nem a utilização das Forças Armadas para reprimi-la nos processos abertos de luta de classes.”2 (O Socialista, nº 113) Lênin também afirmava que mesmo os estados burgueses mais democráticos tinham brechas constitucionais para jogar suas forças armadas contra os trabalhadores sob a menor ameaça de que estes se levantassem contra a sua opressão de classe. Como é possível defender então a democracia de um estado burguês semicolonial? Para que se transforme em uma democracia mais ampla? Novamente, para qual classe?

A defesa das liberdades democráticas não pode se fundir na defesa da democracia burguesa e no seu aprimoramento através de maior participação de um “conteúdo dos trabalhadores”. Além disso, é preciso reconhecer, como alertou Trotsky, que “o estado democrático burguês não se limita a conceder aos trabalhadores melhores condições de desenvolvimento em relação ao absolutismo; com sua legalidade limita esse mesmo desenvolvimento, acumula e garante com arte a formação dos hábitos oportunistas e dos preconceitos legais no seio das pequenas aristocracias proletárias.”3 (Trotsky, 1920) Tem sido comum, por conta disso, a titubeação dessas correntes nos processos de luta abertos no último período, apelando ao imperialismo nas negociações sobre fechamento de plantas, à garantia do direito constitucional de greve como condição para a mesma e à polícia para garantir a “segurança” nos atos de rua.

À ditadura não se contrapõe a democracia burguesa, porque ambas são expressões da forma de dominação da burguesia. À ditadura do capital é preciso contrapor e impor a ditadura revolucionária do proletariado, única forma possível de dominação da classe trabalhadora. Ao seguir contrapondo golpe e democracia ou democracia e fascismo aos trabalhadores, o centrismo trotskista trai o próprio programa da IV Internacional, resumido por Trotsky em três palavras: ditadura do proletariado. O próximo período, será de intensos ataques do imperialismo agonizante sobre a classe trabalhadora, e o papel dos governos dos estados semicoloniais, sejam mais progressistas ou reacionários, será o de garantir a aplicação desses ataques.

Para nós, trabalhadores, não há atalho pela “gestão” do estado burguês. Queremos destruí-lo! Para isso, é urgente batalhar pela recuperação dos nossos sindicatos e centrais das mãos da burocracia e, internamente, lutar contra a adaptação do centrismo ao estado burguês. Só assim, poderemos organizar o enfrentamento aos governos de turno. Para nós, trabalhadores, a política não pode ser a defesa da democracia burguesa, mas a construção do Partido Revolucionário, sob a IV Internacional, que coloque em marcha o programa transicional à ditadura do proletariado.

“O marxismo que reconhece a luta de classes diz: ao socialismo não se chega de outro modo que não pela ditadura do proletariado. ‘Ditadura’ é uma palavra forte, dura, sanguinária, dolorida, e palavras desse tipo não se jogam ao vento. Se são essas as palavras de ordem que lançam os socialistas, é porque eles sabem que senão por meio de uma luta encarniçada e implacável a classe dos exploradores não se renderá e tratará de encobrir com todas as palavras bonitas sua dominação.”4 (Lênin, 1919)

 

 

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1. A Revolução Proletária e o renegado Kautsky. Lênin, 1918.

2. Democracia pra quem? O Socialista, nº113, 2020 (http://trci-web.org/pt/loi-brasil/item/250-democracia-pra-quem.html)

3. Terrorismo e Comunismo: o anti Kautsky. Trotsky, 1920.

4.  Como enganar o povo com as palavras de ordem da liberdade e da igualdade. Lênin, 1919.

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