NO SEGUNDO TURNO, VOTO NULO!
Quarta, 25 Novembro 2020 18:34O primeiro turno das eleições municipais brasileiras ocorreu no último dia 15 de novembro. Nesse pleito, são eleitos prefeitos e vereadores dos mais de 5mil municípios. Desses, 57 cidades ainda terão segundo turno, incluindo 18 capitais no próximo domingo, dia 29.
AS CRISES ECONÔMICA, SOCIAL E POLÍTICA ACELERAM A DECOMPOSIÇÃO DO ESTADO SEMICOLONIAL BRASILEIRO
Essas eleições ocorrem numa conjuntura de aprofundamento da crise econômica e social atravessada pelo impacto da pandemia do covid-19, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, dentro de um processo mais amplo de decomposição do imperialismo. Os efeitos, num país semicolonial como o Brasil, possuem uma dimensão colossal. O país se aproxima das 170mil mortes pela pandemia com os índices de ocupação hospitalar aumentando diariamente. Especialistas em saúde apontam que já estamos em uma segunda onda, quando a percepção é de que ainda não saímos da primeira. A taxa de desemprego bateu novo recorde histórico no trimestre encerrado em agosto, atingindo 14,4% ou 13,8 milhões de trabalhadores buscando emprego. É o maior índice da série histórica iniciada em 2012. A inflação oficial está prevista para fechar 2020 em 3,02%, índice que não consegue traduzir o aumento desproporcional dos itens de alimentação básica da população brasileira: cerca de 20% nos últimos doze meses. Em relação à renda, a alimentação já compromete 50% do salário mínimo líquido.
Outros processos atravessam o período eleitoral e demonstram o nível de decomposição do estado semicolonial brasileiro e da crise social dele advinda. O Amapá esteve nos últimos 22 dias com interrupção no fornecimento de energia elétrica após dias de apagão total causado por um incêndio na subestação do estado. A compra emergencial de geradores termoelétricos, acionados pelo próprio Bolsonaro, apenas 17 dias depois do incêndio, não foi capaz de garantir o fornecimento de energia, explodindo parte da rede elétrica no dia seguinte. A situação no Amapá, que possui 85% do fornecimento de energia nas mãos da empresa LMTE, exemplifica a deterioração decorrente da privatização do fornecimento de serviços essenciais, como a Eletrobrás cujo avanço na privatização segue parado no Congresso. Os protestos foram intensos, cerca de 120 nos últimos 20 dias, assim como a repressão policial ordenada pelo prefeito Clécio Luis (Ex-PT, ex-PSOL e atualmente sem partido) e o governador Waldez Góes (PDT).
O assassinato de João Alberto, espancado dentro do estacionamento do Carrefour em Porto Alegre por seguranças (sendo um policial militar) no último dia 19, longe de ser um caso isolado, é expressão da estrutura racista de uma semicolônia cujo aparelho repressor do estado é herdeiro direto da ditadura militar. Só no primeiro semestre deste ano foram 3.148 mortos nas mãos da polícia (em serviço ou em folga), mesmo com as restrições de fluxo impostas pelas políticas de isolamento. O extermínio de jovens negros e periféricos pela polícia é uma política de um estado semicolonial cada vez mais bonapartizado, concretizado no recrudescimento do controle e da repressão das massas e, sobretudo, da classe trabalhadora. O assassinato de João Alberto transformou o Dia da Consciência Negra num dia de protestos em todo o Brasil, com ações radicalizadas nas lojas do Carrefour, apesar da tentativa das direções de fazer campanha eleitoral e celebrar o aumento da representatividade da população negra na política parlamentar. Longe de poder ser resolvido por uma “boa administração” desse estado com políticas de “humanização” da polícia, essa política de estado demanda uma luta independente dos trabalhadores pelo fim dessa instituição e pela destruição desse estado burguês. Coloca na ordem do dia, a luta pela saída de policiais de nossas centrais sindicais, a denúncia de correntes centristas abrigadas em partidos políticos com policiais em suas fileiras e a questão da organização da autodefesa como imprescindível dentro dos nossos organismos.
“CENTRÃO”, BOLSONARISMO E PETISMO: A ÚNICA DERROTA É DA CLASSE TRABALHADORA DILUÍDA NAS ELEIÇÕES BURGUESAS
O primeiro turno das eleições acabou com uma porcentagem recorde de abstenções, 23,1%. O que já era esperado por conta da pandemia, mesmo o voto sendo obrigatório. Porém, somando-se os votos brancos e nulos, a porcentagem de pessoas que não votaram chega a 30,6%. Em 112 cidades, o índice de abstenção ultrapassou os 30%. Em grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo não foi diferente. No Rio, com abstenção de 32,79%, a soma de votos brancos, nulos e abstenções chegou a 2,2 milhões enquanto a soma de votos destinados aos 4 candidatos mais votados foi de 2,1 milhões. Em São Paulo, 3,6 milhões de eleitores não votaram, enquanto a soma dos dois candidatos mais votados chega a 2,8 milhões. Apesar das comemorações do Ministro do TSE, Luís Roberto Barroso, a participação nas eleições foi longe de ser massiva, uma tendência apontada nas últimas eleições também.
Os resultados do primeiro turno trouxeram para os partidos burgueses do chamado “centrão” o maior número de prefeituras conquistadas. Progressistas, Republicanos, PL, PSD e MDB ficaram com 49% dos municípios que já elegeram seus prefeitos no primeiro turno. Analistas burgueses consideram que o auxílio emergencial foi um fator importante para o voto nos partidos do centrão fisiológico. Outros apontam que a proibição das coligações, as campanhas mais curtas e restritas por conta da pandemia favoreceram a manutenção de políticos conhecidos, de partidos tradicionais, numa espécie de rejeição à “nova política”.
O PSL, partido que abrigou Bolsonaro e que mais cresceu em relação ao número de votos em 2018 (mais de 11milhões), obteve um resultado pífio nas eleições municipais. Com 2,79 milhões de votos, elegeu apenas 90 prefeitos das 713 candidaturas e 1,2 mil vereadores das mais de vinte mil candidaturas. Bolsonaro, que segue sem legenda, apoiou abertamente 12 candidatos a prefeito durante a campanha e apenas 4 desses se elegeram ou estão no segundo turno, sendo o Crivella (Republicanos) o único dos apoiados por Bolsonaro que segue, no segundo turno, dentre os maiores colégios eleitorais brasileiros, o Rio de Janeiro. Ainda que não tenha conseguido emplacar candidatos nas prefeituras, Bolsonaro não está derrotado para 2022, como afirma o reformismo que fez a campanha para “responder Bolsonaro nas urnas”. É muito mais provável que o “bolsonarismo” se aproxime, ao longo destes dois próximos anos do fisiologismo do centrão após o resultado destas eleições, movimento já iniciado por Bolsonaro neste ano e que pode acelerar-se agora, inclusive, pela derrota de Trump nos EUA.
O próprio reformismo, especialmente do PT, também não conseguiu converter, como oposição ao Bolsonaro, sua campanha em resultados animadores. O PT ficou com 179 prefeituras, sendo apenas 2 capitais, número muito próximo do seu resultado em 2000 (2 anos antes da primeira eleição de Lula) e bem abaixo das 644 prefeituras conquistadas em 2012. No ABC paulista, reduto histórico petista, incluindo a “cidade de Lula” – São Bernardo do Campo, os candidatos petistas não chegaram nem ao segundo turno. Já o PSOL saiu fortalecido dessas eleições. Ampliou suas bancadas em cidades importantes como São Paulo e Rio de Janeiro e disputa o segundo o turno em duas capitais: Belém e São Paulo. O partido abraçou uma agenda “liberal progressista” amparada nos movimentos identitários, tendência iniciada já em 2018 com as candidaturas coletivas, muitas inclusive financiadas por fundos empresariais de formação de lideranças, como a bancada ativista eleita por SP à Câmara Federal.
Boulos representa o fortalecimento do PSOL nestas eleições, ao chegar no segundo turno em SP, maior colégio eleitoral do Brasil e principal centro econômico. Sem campanha na TV, apostando na internet e na militância jovem nas ruas, o candidato e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ultrapassou o candidato bolsonarista Russomano, que aparecia como primeiro colocado nas pesquisas e agora disputa com o atual prefeito da cidade Bruno Covas (PSDB). A última pesquisa apresentada já aponta a diminuição da diferença entre Covas e Boulos nas intenções de voto, demonstrando que tem sérias chances de ganhar. Para chegar nesse resultado, Boulos parece ter aprendido bastante com Lula e o PT: abandonou o “radicalismo” da imagem associada ao movimento, reuniu-se com a Associação Comercial de São Paulo para fornecer garantias e espalhar para os quatro cantos da cidade que não tem nenhum problema e nem vai “demonizar o setor privado”. Afirma que vai investir no “empreendedorismo periférico” e também valorizar e investir na formação da GCM que, segundo ele, foi “desmontada” pela gestão de Covas. Não acenou para a anulação da reforma previdenciária dos servidores e nem com o fim das terceirizações na educação. Seu programa de governo é abertamente um programa de conciliação. E, para o segundo turno, Boulos amplia seu projeto conciliatório selado pelo apoio dos partidos burgueses PDT, PSB, REDE, reformistas como PT e PCdoB e de esquerda como PCB e UP, denominado como “frente democrática por São Paulo”.
O CENTRISMO TROTSKYSTA SEGUE CADA VEZ MAIS ADAPTADO À DEMOCRACIA BURGUESA
Essas eleições demonstraram o nível de adaptação das correntes trotskystas à democracia burguesa. Defendem, desde o início da pandemia, políticas do estado burguês, como a quarentena, como se essa fosse uma política da classe trabalhadora. Essas correntes mergulharam de cabeça no processo eleitoral lançando seus candidatos à vereança e, agora, fazendo campanha para o Boulos. Vale ressaltar, novamente, que no primeiro semestre inteiro, diante da necessidade de respondermos organizadamente aos ataques dos governos federal, estadual e municipal, essas correntes abdicaram da ação direta justificando a necessidade do isolamento e o receio de se confundir com o negacionismo bolsonarista (nitidamente demonstrando a incapacidade de levantar uma política independente), porém, iniciado o período de campanha eleitoral, lançaram-se às ruas diariamente em busca de votos.
O MRT não conseguiu eleger a “bancada revolucionária” em São Paulo, candidatura realizada através de filiação democrática ao PSOL, depois de ter retirado a candidatura para vereador em outras cidades, como o Rio de Janeiro e Santo André; a primeira por ter um policial como candidato a vice-prefeito e a segunda pela coligação do PSOL com o REDE na cidade. A leitura de que a candidatura pelo PSOL é única em cada cidade, foi oportuna para manter a candidatura em São Paulo, ignorando todas as coligações do PSOL com partidos burgueses e “golpistas” ou a defesa do partido a policiais “progressistas” ou amotinados, caracterizados como grevistas pelo partido. Agora no segundo turno, o MRT faz campanha para derrotar Covas nas urnas, mantendo a independência de classe apenas no discurso.
O PSTU apresentou candidaturas próprias em 55 cidades. Em São Paulo, a candidata Vera obteve mais de 50 mil votos válidos. Agora, no segundo turno, chamam voto crítico em Boulos (PSOL) em São Paulo e em Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre e voto nulo em outras cidades como Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro. Outras correntes do centrismo trotskysta no PSOL, como a Esquerda Marxista e LSR, como esperado, já fizeram campanha para Boulos desde o primeiro turno.
É inaceitável que, sob a reivindicação do programa da IV Internacional essas correntes e partidos se lancem no apoio à política de conciliação de classes, abandonando completamente a perspectiva de independência dos trabalhadores e suas organizações em relação ao estado burguês. Dessa forma, também abandonando a reivindicação de um programa transicional à ditadura revolucionária do proletariado, pois como o próprio Trotsky definiu o programa da IV: “seu eixo pode-se resumir em três palavras: ditadura do proletariado”. Não existe atalho pela administração do estado burguês.
NO SEGUNDO TURNO, O VOTO É NULO!
Continuamos reafirmando que a política para os trabalhadores de saída para crise não pode ser definida pelas eleições. O estado é um instrumento de dominação de classe. É burguês e, portanto, inconciliavelmente avesso aos interesses da nossa classe. A democracia e suas instituições expressam o caráter de classe desse estado. A democracia burguesa não é neutra, nem pura. Não se pode preenchê-la com o conteúdo de classe “eleito”. Não à toa, qualquer interesse em administrar o estado burguês fazendo concessões aos trabalhadores só é possível através da conciliação.
O aprofundamento da crise econômica traz a necessidade, para a burguesia, de aprofundar também a exploração dos trabalhadores, especialmente nos países semicoloniais como o Brasil, dominados pela burguesia monopolista. Vivenciamos um período de maiores ataques sobre a classe trabalhadora, de retirada de direitos, arrocho salarial e repressão. É nossa tarefa imediata, portanto, a batalha pela recuperação dos nossos sindicatos da burocracia, para que possamos organizar o enfrentamento desses ataques com independência de classe e com nossos próprios métodos de luta.
Não podemos apostar numa “boa administração” do estado burguês ou uma “menos pior”. Não há saída para os trabalhadores na democracia burguesa. Votemos nulo! Não queremos aperfeiçoar o instrumento da nossa própria dominação. Queremos destruí-lo, impondo a nossa própria dominação de classe. A política para os trabalhadores só pode ter como centro a necessidade de construção do partido revolucionário que levante o programa transicional à ditadura do proletariado.