EUA: Primeiras medidas da nova administração
Sábado, 13 Fevereiro 2021 16:08Joe Biden assumiu finalmente a presidência na quarta-feira 20 de janeiro. Em meio a um pomposo show de estrelas de Hollywood e da indústria musical, que não conseguiu esconder a militarização do ato protocolar com a presença de 25 mil membros da guarda nacional, Biden e sua vice Kamala Harris fizeram o juramento no cargo. Os desafios da nova administração são enormes: depois do fracasso dos governos anteriores, tentará reverter o retrocesso da hegemonia ianque em seu papel de potência imperialista dirigente do mundo. Não devemos esquecer que Biden foi parte da administração Obama como vice-presidente e anteriormente, pelo senado, apoiou o belicismo de Bush filho e outras aventuras imperialistas de ambos os partidos. A situação é urgente e, por isso, as primeiras medidas apontam a frear a crise econômica que acelerada pela pandemia do COVID-19, tentando colocar sob controle a situação sanitária e continuar com as políticas de estímulo. Tudo isso, em meio à degradação das relações com o resto do mundo determinadas pelos antagonismos econômicos estabelecidos pela crise e pela errática política exterior de Trump e, mais recente, na urgência de encarar uma crise sem precedentes das instituições da democracia imperialista que 2020 deixou e a tomada do Capitólio de 6/01.
Pandemia e crise econômica
A curva que os imperialistas observam não é tanto a de contágios e mortes pela COVID-19, mas a da variação do PIB e da ocupação da mão de obra. A recuperação, depois da abrupta queda entre fevereiro e abril de 2020, começou relativamente forte, mas está se moderando até chegar a quase um platô. O crescimento do PIB do último trimestre de 2020 apenas supera o 1%. O país recuperou um pouco mais da metade dos 22 milhões de empregos não agrícolas perdidos entre fevereiro e abril de 2020. O último número de janeiro aponta a criação de escassos 49.000 novos postos de trabalho, e uma revisão para baixo dos dados dos 3 meses anteriores. O balanço da era Trump de conjunto coloca no vermelho 2.100.000 postos de trabalho perdidos desde que assumiu no início de 2017 (Washington Post, 6/2/2021).
(ver gráfico 1)
Igualmente alarmante é a acumulação da dívida que vem registrando a partir das políticas imperialistas para tentar dar uma saída à crise de 2008, elevada à enésima potência com as políticas de estímulo implementadas pelos diversos Estados imperialistas para enfrentar a pandemia e, através do mecanismo do sistema financeiro privado, levando a bolhas gêmeas entre ações e dívida oficial. A tendência ao enfraquecimento do dólar, que se expressa no aumento das chamadas commodities (mercadorias genéricas utilizadas como matérias primas e que se negociam a granel como metais, petróleo e grãos) e dos metais-dinheiro (ouro e prata), é outra face tanto desta crise de endividamento como da queda da hegemonia mundial do imperialismo ianque.
Para dimensionar o problema, um estudo do Bankia de dezembro passado indica que “de acordo com um relatório recente do Instituto de Finanças Internacionais (IFF), a dívida global do setor público e privado cresceu 15 bilhões de dólares, chegando no total de 277 bilhões em 2020, máxima desde o início da série histórica. Como porcentagem do PIB, o IFF projeta que a dívida global deu um salto até 365% este ano, antes em 320% ao final de 2019 e 315% cinco anos atrás.” E, continua, “destaca EUA, que colocou em marcha um pacote de estímulo fiscal de 13% do PIB, assim como a disponibilidade de múltiplas janelas de crédito a empresas por parte do FED. O país representou por volta de metade do incremento da dívida do grupo dos países desenvolvidos, com a proporção da dívida pública em torno a 125% do PIB, níveis não vistos desde a Segunda Guerra Mundial.”
(ver gráfico 2)
Entre as primeiras medidas de Biden, destaca-se a continuidade destas políticas de estímulo fiscal e monetário, com um novo pacote de US$ 1,9 bilhão para assistência por conta do coronavírus. O pacote ficou habilitado com a aprovação do orçamento no senado na sexta 5/2, primeira iniciativa legislativa da nova legislatura que incluiu o voto de desempate da vice-presidente (após as eleições, o senado ficou formado em 50/50 por representantes do PD e PR). A diferença é que Biden pretende dar este estímulo combinando-o com uma política sanitária agressiva, que vai desde o ridículo “100 dias de máscara”, que lançou como um de seus primeiros decretos presidenciais, até o plano massivo de vacinação, ao mesmo tempo uma grande piscadela para a indústria farmacêutica, um dos principais lobbies imperialistas.
Política exterior
Neste terreno existe uma continuidade na linha agressiva com a China, que os democratas já tinham lançado com seu “pivô asiático” sob Obama. Há um “acordo de Estado” entre ambos os partidos e todo o establishment imperialista na necessidade de avançar sobre a China; as diferenças são sobre como. A guerra comercial baseada nas tarifas para negociar acordos de comércio exterior de Trump não foi avaliada positivamente pela burguesia, que aposta em uma política ainda mais dura, que inclui uma ofensiva sobre países terceiros, semicoloniais, para deslocar a influência que a China vem tendo através de financiamento e projetos de infraestrutura (nova Rota da Seda). A política para a América Latina mantém sua hostilidade com a Venezuela e uma política de chicote e cenoura para apontar as medidas restauracionistas em Cuba, enquanto se busca disciplinar toda a região a partir de uma maior influência do FMI (Chile, Argentina, Equador). Quanto ao Oriente Médio, é um emaranhado mais difícil de se desatar; mas, por enquanto, Biden suspendeu a política de retirada que vinha implementando Trump.
Isto pode ser observado na reavaliação da linha para o enclave israelense (que foi fortemente respaldado por Trump nos últimos 4 anos), que tende a voltar a se apoiar sobre as alianças com outras frações burguesas da região, flutuando na política de Obama, enquanto respalda veladamente ou não, as ofensivas reacionárias de Israel sobre a Síria e o território palestino, do mesmo modo que a política de segurança para a Europa baseada na OTAN. Muito relacionado a este último está a maior ofensiva sobre o governo da Rússia, ao qual Biden resolveu pressionar com força pelo caso Navalni. Faltam muitas definições em relação à política exterior na Ásia, ainda que o golpe de Estado em Myanmar/Birmânia acelerou o enfrentamento entre o bloco Sino-Russo com os EUA e seus aliados na ONU.
Em termos gerais, sustentamos que o multilateralismo que ensaia Biden, retrocedendo em todas as medidas de Trump de ruptura com as instituições internacionais do pós-guerra como a OMS, o acordo de Paris, os questionamentos à OMC, carecem pelo momento de um eixo estratégico. É impossível voltar a história para trás, menos ainda quando os efeitos de aceleração da decomposição do imperialismo a partir de 2008 continuaram a minar, e continuam até agora. Em qualquer caso, o avanço na assimilação dos ex Estados Operários, sobretudo a China, e em menor medida a Rússia, e o estabelecimento de uma nova relação capital-trabalho para aumentar a taxa de exploração tentando reverter a queda da taxa de lucros, se bem que são objetivos gerais, aparecem como os objetivos não resolvidos que deve encarar o imperialismo ianque, se pretende deter sua própria queda. Não se tratam de tarefas fáceis e tem pela frente a resistência da luta antimperialista da classe operária e dos povos oprimidos que vem fazendo tremer o planeta, desde Tunez, Mianmar, Kirquistão, Índia e Líbano, passando pela Bielorrússia, França e Itália, até o Chile e toda a América Latina.
A Caldeira
A erosão das instituições da democracia imperialista, espelho dos setores burgueses e pequenos burgueses, das semicolônias e dos ex-Estados Operários, que fazem seu o programa da assimilação sob a roupagem das promessas da democracia burguesa, é a principal preocupação para Biden e sua nova administração. Deve encarar o impeachment de Trump sob esta ótica, o que não é simples, porém, mais grave ainda é o problema da deterioração dos poderes do Estado e a relação do aparato burocrático militar com as massas no meio da crise e a decomposição social prevalecentes.
Por enquanto, a primeira medida foi avançar na agenda antiterrorista, com apoio dos republicanos, coisa que não deve nos estranhar já que foi Bush filho quem iniciou essa política depois do atentado das Torres Gêmeas. O avanço na política repressiva do Estado parece ser a saída, confirmando que as tendências bonapartistas geradas pela dinâmica imanente do capitalismo se desdobram por cima das personalidades dos personagens do capital. Que as primeiras medidas tenham sido tomadas através de decretos (ordens executivas), algo que chamou a atenção dos apoiadores mais ferrenhos de Biden, vai no mesmo sentido. Isso porque a recomposição institucional da democracia imperialista não pode passar por outro caminho, contra as ilusões dos chamados progressistas, a suposta ala esquerda do PD.
Como indicava Engels em sua carta a Marx de 13 de abril de 1866, “... o bonapartismo é a verdadeira religião da burguesia moderna”. E os últimos 4 anos de governo de Trump nos EUA serviram para deixar exposto o caráter dessa democracia imperialista manejada por uma elite, que tranquilizava muitos porque “não iam deixar que Trump fizesse qualquer coisa”. O bonapartismo não significa o governo pessoal, ainda que pode adquirir essa forma. Tomamos aqui outra citação de Engels: “... na monarquia bonapartista moderna, o verdadeiro poder governamental se encontra nas mãos de uma casta particular de oficiais e funcionários... A autonomia desta casta, que parece se manter fora e, por dizê-lo assim, por cima da sociedade, confere ao Estado um vislumbre de autonomia em relação à sociedade” (F. Engels, Contribuição ao problema da moradia). Lembremos que, na teoria política da ilustração que fundamenta a constituição norteamericana, o Presidente cumpre esse papel de monarca.
Depois da ação contrarrevolucionária de 6 de janeiro, um importante setor da esquerda centrista em nível internacional caiu no erro de centrar a tática na necessidade de enfrentar o fascismo, o golpismo ou o protofascismo encarnado nas forças pró Trump: se trata de um grave erro porque o perigo maior é a forma na qual as forças da elite política, que dirigem o aparato do Estado ianque, vão utilizar os acontecimentos para reacomodar suas estruturas em busca de uma ofensiva bestial contra a classe operária e os povos oprimidos do planeta. Qualquer frente única antifascista, ou similar, com setores da burguesia não é mais que uma capitulação ao inimigo de classe.
O desafio de recompor as instituições implica, assim mesmo, encarar a polarização política e social que tem sua origem nas bases econômico-sociais derrubadas pela crise capitalista. Para isso, o plano de estímulo de Biden inclui um aumento do salário mínimo e um abono de US$ 1400 por pessoa, que ainda promove debate entre o governo e a grande patronal, assim como no interior do dividido partido democrata (PD). Estas concessões não se dão só pelo impulso dos ares de um destemido neokeynesianismo, senão que responde a uma série de lutas que vem sustentando a classe operária norteamericana. Os motivos são abundantes, todos relacionados à deterioração das condições de vida a partir da crise de 2008 e a recessão gerada pela pandemia: por condições de segurança e higiene nos lugares de trabalho, por salários, pela sindicalização nas empresas e setores organizados. Também exerceram uma influência importante as grandes mobilizações contra a polícia e o racismo depois do assassinato de George Floyd, sobretudo nos ramos industriais onde prevalecem trabalhadores afroamericanos e latinos.
Nos últimos meses de 2020, a influência das direções reformistas/contrarrevolucionárias dos socialistas democráticos da América (DSA) e os chamados progressistas do PD levaram estes movimentos no bojo da campanha eleitoral, atribuindo a suas principais figuras (Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, lhan Omar) que exercem a ala esquerda da bancada oficialista na câmara de representantes do congresso (câmara baixa), a vitória nos estados do meio oeste, revertendo os resultados de 2016. Em termos de luta de classes, isto levou a um aparente paradoxo de que, enquanto a ala direita do partido democrata, com Biden na cabeça, ganhava a presidência e os reacionários partidários do trumpismo mostravam força nas ruas, sendo sua máxima expressão a tomada do Capitólio de 6/1, os movimentos antipoliciais e a classe operária se voltavam para expectativas eleitorais. Isto não deve ser visto como uma foto: no começo de 2021, as coisas mudaram e estamos presenciando novas e importantes greves, como a dos trabalhadores do mercado de frutas e hortaliças de Nova York que, através de uma greve de pouco mais de uma semana, conseguiram um aumento salarial (ainda que não de US$ 1 por hora como reivindicaram)e frearam a intenção patronal de aumentar o desconto para o plano de saúde. Também estão se desenvolvendo processos de organização sindical nas empresas como Amazon e a de autopeças alemã Borges em Ohio, e uma importante luta contra a volta às aulas presenciais sem medidas adequadas de salubridade em vários estados.
Problema de direção
É possível que os trabalhadores de base que são parte destes conflitos possam considerar que a saída de Trump do governo coloque melhores condições para a luta, mas a vanguarda não deve se deixar enganar pelo DSA e demais direções contrarrevolucionárias que oferecem como orientação “disputar” o governo democrata em seu interior, pressionando, por um lado, por maiores concessões de Biden, enquanto, pelo outro, defendem uma frente única contra o fascismo e a extrema direita, dando ênfase na recomposição institucional sob um prisma pretensamente democrático. Trata-se de uma armadilha mortal para o proletariado e setores de massas empobrecidos, para a juventude, as minorias e os imigrantes nos EUA. A vanguarda de nossa classe deve encarar a luta pela ruptura da tutela dessa elite política da democracia imperialista em putrefação sobre o proletariado ianque, tutela exercida através do PD e da burocracia sindical da AFL-CIO. O desafio é conquistar a independência de classe a partir de um programa operário de saída da crise e de uma direção revolucionária que enfrente o Estado e se proponha a unidade estratégica com os povos oprimidos do mundo sob a bandeira da luta antimperialista. Será um passo decisivo na reconstrução da IV Internacional e sua seção norteamericana. Com este norte, propomos às correntes revolucionárias, que em nível mundial defendem o programa da ditadura do proletariado, que impulsionemos em comum uma conferência internacional pela reconstrução da IV Internacional, o partido mundial da revolução socialista.
COR Chile - LOI Brasil - COR Argentina
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