A PETROBRAS E A CRISE DO GOVERNO BOLSONARO
Friday, 19 March 2021 15:43Em um episódio de suposto arroubo populista, no último dia 22 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a não renovação do mandato do presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, que encerra no final do mês de março. Em seu lugar, Bolsonaro anuncia que quem assumirá a presidência da empresa no próximo mandato é o general Joaquim Silva e Luna. O motivo alegado pelo presidente da república foi a política de preços praticada pela direção da estatal. Só em 2021, a gasolina teve um aumento de 41,5% se comparada com o último valor de 2020, já o diesel teve um aumento de 34,1% nesse mesmo período, aumentos que tornam os preços atuais os mais altos da história.
As diversas frações da burguesia que compõem o governo federal, que agregam o “Centrão” no parlamento - caracterizado principalmente pelo fisiologismo - e o setor liberal encabeçado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, somados as facções militares que foram determinantes na eleição de Bolsonaro e também estão enraizados em seu governo, compõe o cenário de total instabilidade dentro do governo federal. O choque dos interesses muitas vezes opostos entre esses setores e outros grupos que foram parte da base eleitoral de Bolsonaro, mostra que a instabilidade predomina cada vez mais em seu governo, portanto, intencionamos aqui apontar que aquilo que a princípio pode aparentar ser uma mera decisão impulsiva e populista, na verdade possui elementos objetivos muito mais profundos e representa o embate latente entre as forças políticas que formam a base governista. Cabe aqui também avaliar e denunciar a postura que vem tendo as direções sindicais em relação a esse movimento, assim como também apontar a política correta a ser encaminhada aos trabalhadores da Petrobras.
O processo de privatização em 3 atos: leilões dos blocos de exploração, PPI e desinvestimento
Fundada em 1953, a Petrobras exerceu por 44 anos o monopólio da exploração de petróleo no Brasil. Essa situação foi modificada com a Lei do Petróleo de 1997 que permitia que a União contratasse outras empresas para explorar a commodity. Em 1999 foram leiloados os primeiros 27 blocos de exploração, adquiridos em sua maior parte pela própria Petrobras, porém, já caracterizando o início da abertura para a exploração do petróleo brasileiro por empresas privadas nacionais e principalmente internacionais.
A partir de então, os leilões aconteceram ininterruptamente em todos os governos subsequentes, com destaque aos governos de Lula e de Dilma Rousseff que foram responsáveis pela adição de áreas de 237 mil km² e de 181,4 mil km² respectivamente para exploração, dessa vez já contando com a áreas do pré-sal e tendo importante participação de empresas privadas estrangeiras.
Durante o governo Dilma, a política de preços da Petrobras foi utilizada como forma de intervenção na política macroeconômica do país. Os preços eram definidos artificialmente pelo governo, não acompanhavam a demanda internacional da cotação do petróleo e do dólar e como os combustíveis são essenciais para a circulação de mercadorias, feita predominantemente pela via rodoviária, essa intervenção direta do governo visava intervir também no preço final das mercadorias, sendo uma forma mecânica de se conter a inflação. Junto ao escândalo do “petrolão” - escândalo de corrupção envolvendo desvio de dinheiro da estatal por dirigentes ligados a diversos partidos políticos - a política de preços adotada por Dilma Rousseff, foram atacados duramente por especialistas e pela mídia como sendo os principais responsáveis pelo grande endividamento da empresa.
Em resposta a esse clamor anti-intervencionista vindo da grande imprensa e de setores da burguesia, após o impeachment de Dilma, seu sucessor Michel Temer adotou uma nova política de preços, dessa vez o valor dos combustíveis no Brasil estará alinhado ao preço internacional do petróleo e a cotação do dólar: a PPI - Preço Paritário de Exportação. Essa política visava inserir a Petrobras em um contexto de competição no mercado, favorecendo os importadores que tinham e têm o interesse de manter os preços elevados, em claro exemplo de submissão aos interesses do imperialismo. Junto a PPI, ganhou força também o discurso que defende a privatização da empresa.
A PPI, assim como a política privatista para a estatal avançam no governo Bolsonaro, agora com a empresa sob a régia de Roberto Castello Branco, economista árduo defensor da privatização de empresas públicas e amigo pessoal do ministro da Economia Paulo Guedes, e que já havia sido membro do conselho diretor da Petrobras entre 2015 e 2016, durante a gestão de Dilma Roussef. A intensificação dessa política de preços “flutuantes”, que chegou a avançar em reajustes diários, teve importante papel no aumento da inflação e da carestia de vida, e culminou em maio de 2018 com a paralisação dos caminhoneiros, afetados diretamente em suas condições de vida pelo baixo preço do frete e pelos constantes aumentos no preço do diesel, mas que não questionava a política de preços da Petrobras, somente os impostos que incidem sobre os preços.
Com Castello Branco no comando, até novembro de 2019, 70 bilhões em ativos da estatal já haviam sido vendidos para investidores privados. Entre 2020 e 2021 foram 8 subsidiárias que deixaram de estar sob o controle da Petrobras. Hoje são 17 refinarias no Brasil, 13(76,4%) pertencem à própria Petrobras, mas em capacidade de refino, o poderio da estatal petroleira ainda alcança 98% da capacidade de produção nacional. Ou seja, mesmo com o Brasil não sendo autossuficiente na produção de combustíveis, a participação da Petrobras ainda é muito importante e tende a desencorajar investidores externos, por isso a importância que a burguesia e seus agentes dão a política de desinvestimento que avança de forma agressiva desde o governo de Michel Temer. A intenção das administrações da petroleira desde então é reduzir essa capacidade de produção para 50%, tornando o mercado nacional mais atrativo e competitivo para as empresas estrangeiras que queiram investir no mercado brasileiro.
Observa-se então que a política de privatização caminha a passos largos e vem se desenrolando por todos os governos de 1997 até hoje, pois envolve os leilões dos blocos de exploração para empresas privadas, a PPI, e o desinvestimento em setores estratégicos como o refino e a distribuição através da venda dessas empresas, não esqueçamos a privatização da subsidiária BR Distribuidora concretizada em 2019, responsável pela logística de distribuição dos combustíveis e chegada ao destino final.
O “rompante” intervencionista x O deus Mercado
O intervencionismo de Bolsonaro, através da dispensa do presidente Castello Branco para a condução de mais um general para a linha de frente de seu governo, causou um terremoto no mercado financeiro. As ações da Petrobras tiveram rápida queda de 26%, o que derrubou os índices de toda a bolsa de valores, a estatal também chegou a perder 102,4 bilhões de reais de seu valor de mercado. Essa rápida desvalorização adveio do temor dos agentes do mercado em torno da volta do controle artificial dos preços dos combustíveis.
Apesar de Bolsonaro reiterar várias vezes não estar interferindo na PPI, sua intenção é ter maior controle sobre os preços e aumentar a previsibilidade dos reajustes. Para isso, já editou decretos que versam sobre um ICMS único para os estados - anteriormente essa taxa variava de acordo com o preço na bomba - e zerando taxações como PIS e COFINS, nos meses de março e abril para o óleo diesel e o GLP. O gás de cozinha teria essas taxas zeradas permanentemente.
Cabe aqui pontuar alguns elementos que são importantes para analisar essa abrupta mudança de direção na condução das políticas para o petróleo desse governo.
Em primeiro lugar, Bolsonaro enfrenta uma queda considerável de sua aprovação, de acordo com pesquisa do Datafolha, 44% das pessoas entrevistadas consideram o governo ruim ou péssimo, enquanto 30% aprovam seu governo. Quando se trata da gestão da pandemia a avaliação piora para o presidente, 54% desaprova totalmente sua gestão enquanto 22% consideram boa sua gestão da crise sanitária.
De fato, além das momentâneas 300 mil mortes que se espalham pelo Brasil, Bolsonaro tem de lidar com as investigações do Ministério Público sobre as ações de seus filhos. Somente no último mês, novamente Flávio Bolsonaro foi protagonista na mídia por ter comprado uma mansão cujo valor ultrapassa e muito suas virtuais possibilidades de pagamento dessa dívida. Também seu filho mais novo, Renan, começa a ser investigado por possível tráfico de influência e lavagem de dinheiro com sua empresa atuando junto ao governo federal.
Também havia a ameaça de uma greve por parte dos caminhoneiros, um dos segmentos que foi cabo eleitoral do atual governo e que mesmo após a paralisação de 2018 não tiveram suas reivindicações, que envolviam principalmente o preço dos combustíveis, atendidas. Agora, os caminhoneiros recuam, novamente com a perspectiva da redução dos impostos sobre os combustíveis.
Por fim, como se os elementos elencados já não bastassem como pólvora para o “comportamento explosivo” do chefe de Estado brasileiro, foi noticiado que no dia anterior ao anúncio da troca de comando na Petrobras e o consequente tombo nas ações da empresa e no seu valor de mercado, algum investidor anônimo fez investimento apostando na desvalorização da petroleira estatal, amealhando assim um faturamento de 18 milhões de reais. A ação está sendo investigada e suspeita-se de que houve informação privilegiada por parte dos investidores.
Postos esses elementos é possível concluir que a decisão de mudança na direção da Petrobras não foi um mero improviso. A queda da popularidade do presidente da república, assim como as investigações sobre as relações criminosas de sua família não tiveram início agora, e mesmo as ameaças dos caminhoneiros se arrastam há tempos. Bolsonaro precisa dar respostas rápidas às suas bases - no caso os militares que não veem com bons olhos a privatização da Petrobras e os caminhoneiros - mesmo que seja em detrimento das demandas de parte dessas bases, neste caso os adeptos do liberalismo de Paulo Guedes.
A traição das direções e necessidade de uma política independente para a classe trabalhadora.
De fato, nenhum dos projetos - privatista ou estatista - serve a classe trabalhadora. O lema “O Petróleo é nosso” é entoado tanto pelo reformismo quanto por setores da burguesia, como se o controle estatal fosse o suficiente para garantir os interesses da classe trabalhadora, ora, enquanto o Estado tiver seu caráter de classe burguês, o controle estatal de uma empresa continuará representando os interesses da burguesia.
A classe trabalhadora está à mercê dos governos burgueses e abandonada pelas suas direções. Todo esse processo aconteceu e acontece com a leniência e a complacência das direções sindicais, totalmente adaptadas à democracia burguesa e suas leis, lançando mão de ações judiciais, rebaixando pautas, negociando pacificamente com os patrões e abandonando os métodos de luta da classe trabalhadora. Temos o exemplo do atual coordenador geral da FUP (Federação Única dos Petroleiros) que defendeu a mudança realizada por Bolsonaro, afirmando que os militares tiveram uma ação positiva em relação a Petrobras, ou seja, podemos novamente estar entregue aos militares desde que o petróleo seja nosso.
Em 2021 houve o caso emblemático da greve dos petroleiros da Refinaria Landulpho Alves (Rlam) na Bahia. Entre as reivindicações apresentadas pelas direções estão: a implementação de uma política efetiva de combate ao assédio moral nas unidades da Petrobras; a incorporação dos trabalhadores concursados da Petrobras Biocombustíveis (PBIO) à Petrobras, caso a Usina de Biocombustíveis de Candeias seja realmente vendida; o fim das dobras de turno e das prorrogações de jornada; e a revisão da política do efetivo mínimo do O&M (Organização e Método) nos diversos setores da estatal, em especial na RLAM.
Como se vê, as direções já dão como fato dado a privatização e lutam por migalhas aos trabalhadores. Os métodos envolvem campanhas solidárias, ausência de atos presenciais - alegando a questão sanitária causada pela pandemia - ações judiciais, enfim, total submissão às práticas burguesas e omissão dos métodos de luta historicamente construídos pela classe trabalhadora.
Esses são os rumos que as políticas reformista e centrista estão encaminhando a classe trabalhadora: desemprego, precarização das condições de trabalho e miséria. É preciso combater essa política no interior dos processos de luta que irrompem pela classe trabalhadora. Os revolucionários, devemos levantar a defesa da tomada da Petrobrás sob o controle operário como forma de exercer influência prática na produção petrolífera e, neste processo, forjar uma vanguarda operária que assuma as tarefas transitórias de um programa revolucionário.
Nessa conjuntura, na qual a crise pandêmica serve como complemento macabro aos ataques frontais a classe trabalhadora em diversas frentes é preciso romper com o imobilismo das centrais e avançar na luta com os petroleiros e demais setores produtivos, com independência de classe e em unidade com outros setores da classe trabalhadora, rumo a construção de uma Greve Geral por tempo indeterminado que coloque abaixo os planos do governo!