BRASIL: DO G20 À AUSTERIDADE. UM CHOQUE DE REALIDADE APÓS AS ELEIÇÕES

Lunes, 02 Diciembre 2024 20:09

Cúpula dos Brics, eleição de Donald Trump, eleições municipais, atentado a bomba contra o STF (Supremo Tribunal de Justiça) e um plano orquestrado pelo alto escalão do governo Bolsonaro para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Esse é o pano de fundo que antecedeu e perpassou a reunião do G20 chefiada pelo Brasil no Rio de Janeiro e a visita de Estado de Xi Jinping. A política internacional, há tempos, tem servido ao atual governo para ofuscar a permanente crise interna que vive o país. Mais uma vez Lula desfilou com líderes mundiais a fim de se cacifar como grande líder regional e do denominado “Sul global”, mas as abstrações (Combate à pobreza, mudanças climáticas, reforma do conselho de segurança da ONU e a busca da paz) do documento assinado na cúpula dá conta que a realidade concreta seguirá sem mudanças, as tendências abertas pelas guerras em curso e o agravamento das economias dos Estado, do imperialismo às semicolônias, seguirão ampliando a instabilidade política do governos de turno e aprofundando a crise social, isto é, as condições objetivas de vida dos trabalhadores.  

Na eleição norte-americana, Lula defendeu abertamente o voto em Kamala Harris. Com a vitória de Trump, a frente ampla se vê tateando para mensurar o impacto político da mudança na Casa Branca. Lula já declarou que nada vai atrapalhar a sólida relação entre Brasil e EUA, que diferenças devem ser postas de lado, que se trata de uma relação entre Estados e os ritos devem prevalecer, ou seja, o Brasil seguirá cumprindo seu o papel subserviente ao imperialismo. Contudo, a política econômica construída a partir do MAGA (Make America Great Again) pautada pelo protecionismo e pelo endurecimento da disputa pela recuperação da hegemonia mundial dos EUA acende um alerta nas semicolônias, sobretudo, quanto a dinâmica de valorização do dólar e da alta inflacionária, fora a dimensão do impacto do aumento de taxas de importação sobre as semicolônias.

Já há setores reformistas alardeando a assinatura de 37 acordos bilaterais com China com uma resposta do governo à ascensão de Trump, um giro estratégico. Após a cúpula do G20, Xi esteve em Brasília, para uma visita de Estado, com status de histórica. Apesar dos inúmeros acordos em diversas áreas, do Agro à tecnologia espacial, a discussão de fundo era a adesão do Brasil à iniciativa do Cinturão e Rota, que oficialmente não aconteceu. Todavia, a China consolida cada vez mais sua presença na América do Sul e o Brasil precisa se equilibrar na sua relação de semicolônia com o imperialismo.

A crise venezuelana intensifica a instabilidade política na América do Sul. O regime de Maduro endureceu o discurso com o governo Lula desde o veto que o Brasil impôs à entrada do Venezuela nos Brics, na recente cúpula do grupo na Rússia. O governo brasileiro se mostra encalacrado na questão venezuelana, já que Maduro endureceu de vez o regime, tendo aberto uma campanha de hostilidades ao Itamaraty, o qual leva a questão em banho-maria e o governo oscila entre levar a cabo a política do Imperialismo sem abrir crise com o PT e uma certa base eleitoral, defensores históricos do chavismo.  A crise amplia-se, ainda, com o conflito intestino entre Evo e Arce na Bolívia. Os processos eleitorais em curso expressam o declínio da democracia burguesa que cada vez mais revela seus limites diante da dinâmica depressiva da economia mundial, ampliando a tendência de governos cada vez mais débeis e instáveis nos bonapartismo suigeneris.

Isso se evidencia após as mais encarniçadas eleições municipais deste país, em que tivemos o triunfo acachapante do exacerbado fisiologismo do centrão. As emendas parlamentares irrigaram os municípios que reelegeram boa parte dos prefeitos. Os expoentes desse resultado foram principalmente o PSD de Kassab e o MDB de Temer. A vitória da política fisiologista robustecida em função da debilidade política dos governos nos últimos anos, somado a maior abstenção da história, quase 30% em São Paulo, por exemplo, condensa-se na crise dos partidos tradicionais e das instituições do regime democrático burguês. Guilherme Boulos (PSOL), principal candidato de Lula em São Paulo, teve uma derrota fragorosa para Ricardo Nunes (MDB), perdeu em quase todas as zonas periféricas, historicamente comandadas pelo PT.

As eleições alçam Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, como o grande maestro do centrão, e depositam no colo do PT e de Bolsonarismo uma crise que lhes impõem o estado permanente de campanha, antecipando o processo eleitoral de 2026. O PT e todo o reformismo se vê tendo que se remontar, uma vez que sai a cada pleito mais frágil e descolado de qualquer base social que pudesse lhe dar alguma sustentação. Fato é que o PT se encaminha a passos largos para ampliar ainda mais os conchavos com o centrão e a Frente Ampla, aguardemos a reforma ministerial que ocorrerá no fim do ano, cogita-se o nome de Lira para um ministério e já se discute nos bastidores o vice na chapa de Lula fora do PSB. Já o bolsonarismo também não desempenhou o que se esperava, ampliou-se os nomes (Marçal, Tarcísio, Ratinho Jr.) que podem ocupar o posto de Bolsonaro, que a cada nova investida da polícia federal e do STF, se vê mais próximo da prisão, sobretudo, após o desenrolar das investigações acerca do fato de que houve no alto escalão do governo de Jair Bolsonaro com as forças armadas um plano para matar Lula, Alckmin e Moraes, e promover um golpe de estado. Não à toa a dita “extrema direita” mexe os paus para mostrar-se para além de Bolsonaro, sem abrir mão do bolsonarismo, assim como Kassab e seus comandados tentam construir nomes que se mostrem para além dos extremos.

A crise entre os poderes não se fecha com a tentativa de disciplinamento pelo STF da disputa pelo orçamento federal que está posta com as emendas parlamentares, pilar do fisiologismo do centrão. O Supremo desde quando, em 2023, julgou inconstitucional o denominado “orçamento secreto”, vem agindo para pôr um freio na manobra parlamentar. Recentemente, o ministro Flávio Dino bloqueou as emendas pix condicionando maior transparência e rastreabilidade sobre os recursos. Hoje quase metade do orçamento está nas mãos de deputados e senadores, o que explica o desempenho do centrão nas eleições municipais e o que pode significar nas próximas eleições gerais. Há pouco, o congresso aprovou um Projeto de lei que tenta fechar um acordo entre o executivo e o legislativo sobre esses recursos, sobretudo quando se discute a necessidade de corte de gastos para cumprimento do arcabouço fiscal.

Após recesso oficioso do Congresso Nacional durante as eleições, os “trabalhos” foram retomados com intensa negociação pela definição dos nomes que disputarão as presidências da Câmara e do Senado ano que vem. Nesse ínterim, Lula definiu o nome, laureado pelo mercado financeiro, de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central. É uma tentativa de incidir sobre a política de juros do BC, já que Galípolo foi braço direito de Haddad na fazenda e indicação do próprio Lula para a diretoria do banco. Oriundo do mercado financeiro dá todos os sinais de que seguirá a política de juros sedimentada por Campos Neto para garantir aos rentistas e bancos uma lucratividade recorde. Concretamente a política econômica do governo vende a ideia de que juros baixos fomenta a produção via consumo e crédito, de um lado atende a demanda da fração burguesa industrial em crise histórica, mas de outro reforça a necessidade de o governo aquecer a economia para se cacifar às eleições gerais, mais uma vez a política de fundo não visa outro coisa que o voto do eleitor.

Ocorre que a equação não se fecha quando olhamos para os dados da economia, que vem apresentando resultados e índices positivos no que tange à macroeconomia. O mais recente dá conta da menor taxa de desemprego desde 2013, chegando a 6,4%. Tais dados dizem respeito apenas às expectativas de desempenho econômico do mercado financeiro dominado pelo capital monopolista, não repercutindo diretamente sobre as condições de vida dos trabalhadores, que vivem com salários cada vez mais defasados, em condições de trabalho precarizadas e endividados, o que explica o recente dado do IBGE de que a quantidade de favelas no Brasil cresceu 8% em dez anos, são 17 milhões de pessoas vivendo em favelas, grande parte abaixo da linha da pobreza. O que se põe em relação direta com o fato de a Frente Ampla patinar e a força do centrão nessas regiões periféricas.

O governo burguês de Lula/Alckmin atende aos interesses do imperialismo e do capital monopolista e às frações da semiburguesia nacional. Diante do aprofundamento da crise social, o debate da vez relaciona-se à publicação das metas de corte de gastos em função do encaixe das contas públicas ao arcabouço fiscal para conter o crescente endividamento do Estado. Analistas burgueses apontam uma demanda de corte na casa de 58 bilhões de reais para estabilizar a dívida até o fim do governo. As tendências econômicas gerais do cenário internacional, crise na produção, inflação e juros altos, dão conta de que a dívida pública nas semicolônias tendem a crescer.

No fim de novembro, o governo finalmente apresentou o pacote de corte de gastos de até 70 bilhões de reais para 2025 e 2026, em que mexe na estrutura de financiamento para os próximos anos de programas sociais (Política de reajuste do salário-mínimo, do BPC, Bolsa família), além da Educação. O contrapeso se justificaria com as alterações sobre regalias da aposentadoria dos militares, contudo o impacto não passa de 1 bilhão de reais até 2030. Todavia, não se mexeu nos incentivos fiscais às empresas de todo tipo, recursos que fecham o ano em 500 bilhões de reais, a mesma coisa quanto às emendas parlamentares.

Sabendo do impacto político negativo, foi antecipada também a Reforma da Renda, que aumenta para 5 mil reais o limite de isenção do imposto de renda e propõe um aumento de alíquotas para as altas rendas, isso caiu como uma bomba e mexeu com o “humor” no mercado financeiro, que promoveu uma alta recorde do dólar, ultrapassando 6 reais. Justificativa é que o pacote não vai ser capaz de conter o ritmo de crescimento da dívida, contudo é mais do que sabido que o capital devora partes consideráveis das forças produtivas, destruindo-as, no período imperialista há que se exportar capital para alimentar a especulação voraz e improdutiva, posto que, os ajustes fiscais são levados a cabo pelos governos de turno para pagar os juros da dívida externa e, efetuar novos empréstimos alimentando a máquina destrutiva que é o capital.  Fato é que o governo burguês da Frente Ampla precisa atender aos cortes de impostos e tributos dos grandes monopólios do capital, na busca do realinhamento das expectativas do mercado financeiro.

Todo esse roteiro escancara a situação política de um governo cada vez mais nas cordas frente a sanha especulativa do rentismo, a pressão interna pela redução do Estado a título de maior eficiência. Contudo, a deterioração da política de apelo social contribui ainda mais para um conjuntura de acirramento da luta de classes, que avança a cada período. Esse é o ponto que deve ser posto nesse debate, pois o discurso é de que deve-se equilibrar os gastos para pode garantir os serviços e os tais benefícios sociais, contudo, a realidade é o avanço da miséria e o avanço dos ataques aos direitos e à condição de vida dos trabalhadores, não deixando dúvidas sobre qual é o real papel desse governo.

Nisso, as instituições, mesmo com toda a crise política em que estão metidas, se unificam para avançar com o plano de corte de direitos via Reforma administrativa, que já ocorre nos municípios e estados. Fora a permanente mobilização para avançar com as regulamentações da Reforma Tributária e a aprovação do pacote do corte de gastos. As pelejas políticas, expressam os limites que a Frente Ampla tem para governar, expressa a crise institucional da democracia burguesa que se aprofunda nos bonapartismos sui generis. Evidenciam como as várias frações burguesas disputam e se unificam sobre as pautas centrais, sobretudo, as econômicas.

Semanas atrás, o STF julgou constitucional a mudança no regime de contratação dos servidores públicos, os novos trabalhadores poderão ser contratados via CLT, o que rompe com a estabilidade dos servidores. Esse é um exemplo de que a Reforma administrativa vem sendo regulamenta a conta-gotas e na surdina com a conivência e silêncio das direções políticas e burocracias sindicais que há tempos estão mais preocupados com eleições do que em avançar com uma política que coloque a classe num ascenso contra os ataques da Frente ampla Lula/Alckmin.

Isso está demonstrado no papel que as direções políticas da classe cumpriram nas eleições municipais passadas, tanto o reformismo, quanto o centrismo estiveram metido até pescoço nas eleições, elemento central da decomposição da democracia burguesa. A eleição de São Paulo, além de diversos outros municípios, contou com as candidaturas do centrismo, com candidatos a prefeito e a vereador do PSTU e o MRT, que se utilizando da filiação democrática da legenda do PSTU, lançou sua “bancada comunista”. Tiveram de conjunto um desempenho pífio, não ultrapassando barreira 5 mil votos.

Para justificar essa política, lançam mão de todo tipo de revisionismo e de adaptação ao regime, contudo, há que se convir que há no mínimo uma coerência dada a inveterada defesa que fazem da democracia burguesa frente ao “ascenso do fascismo” via a dita extrema-direita. Para esses setores a luta de classe se dá nos marcos das instituições burguesas, o parlamento e o judiciário. Evocam o princípio da independência de classe para atuar através de um “programa revolucionário e socialista” por dentro das estruturas do Estado burguês, nada revela mais o nível de adaptação ao regime. Justificam a utilização dessa tática como propaganda, mas a principal demanda apresentada é uma reivindicação nos marcos de um estatismo, abrem mão do caráter de classe do Estado, para propagandear um engodo aos trabalhadores. A verdade é que as eleições são a expressão maior do controle burguês sobre o ascenso da consciência de classe, é inconcebível o grau de desvio e o atraso desses setores dos métodos de luta e organização próprios dos trabalhadores. Uma reflexão cabe fazermos quando aqueles que deveriam estar nas trincheiras da luta de classes, estão em praça pública pedindo voto naqueles que serão os próximos administradores do Estado para a burguesia.

É nesse aparato em declínio que as burocracias sindicais conduzem as lutas dos trabalhadores. Durante todo o período, estiveram recuados e também em campanha eleitoral, enquanto isso os governos de turno avançavam com as reformas e as privatizações, passadas as eleições prefeitos e governadores promoveram uma enxurrada de medidas privatizantes, sobretudo na educação. Diante desse cenário, é fundamental a defesa da independência de classe como elemento central para a construção de políticas e definição de ações dos trabalhadores.

É fundamental, portanto,  erguer em cada sindicato e organização estudantil uma oposição revolucionária, que avance com uma política de recuperação dos nossos instrumentos de organização das mãos das burocracias e exijam dos sindicatos e centrais a construção de uma saída operária da crise e de enfrentamento aos ataques; que coloque abaixo as Reformas Trabalhista, Previdenciária, Administrativa, do Ensino Médio, além do projeto das Escolas Cívico-militares em curso; que levante a luta pela escala móvel de horas e salários e a necessidade de expropriação dos expropriadores. É necessário também que, a partir de nossas estruturas, organizemos a autodefesa contra os ataques protofascistas da pequena burguesia bolsonarista e, principalmente, contra o braço armado do estado burguês.

A política para os trabalhadores não pode ser definida pelas disputas eleitorais, com a aquisição de bancadas nos parlamentos, e consequente disputa pela administração do estado burguês, alimentando a ilusão no aparato estatal, como se pudesse ser preenchido com determinado conteúdo de classe. Os ataques da burguesia contra o conjunto dos trabalhadores estarão na ordem do dia, independentemente dos governos de turno. A tarefa central para a classe trabalhadora só pode passar pela necessidade de construção do partido revolucionário que dirija a derrubada do estado burguês e imponha a nossa ditadura de classe.

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