NICARÁGUA: MAIS UMCAPÍTULO DAS CRISES INTERBURGUESAS

Sexta, 17 Mai 2019 18:28

A Nicarágua, país centro americano que possui uma importante história de lutas,está envolvida atualmente em uma profunda crise política, o maior conflito desde a insurreição Sandinista, que derrubou a ditadura da dinastia Somoza em 1979. A instabilidade do governo de Daniel Ortega define mais um capítulo na deflagração e no desenvolvimento das crises políticas que têm assolado diverso países, e a América Latina não ficaria imune, assim intensificam-se processos de crises na América central como em Honduras, na Guatemala, no Haiti e como também na América do sul com a crise do governo Maduro na Venezuela, , com a crise política no Brasil e com a crise da Argentina com Mauricio Macri. Os países semicoloniais sofrem as consequências das medidas adotadas pelo imperialismo como “saída” para a crise econômica, que se concretizam nas reformas, na valorização do dólar, aumento do barril de petróleo e na “guerra” comercial, disseminada como política externa de Donald Trump, que busca recuperar a hegemonia política estadunidense.

O sandinismo, de Daniel Ortega, caracteriza-se como um governo burguês, com uma política com roupagem bolivariana, seguindo o discurso do socialismo do século XXI. Sistematicamente, foi se adaptando até se constituir como uma fachada, que serve para impor os interesses do clã Ortega. É um sistema clientelista, que foi financiado pelo Chavismo.  Tanto que uma de suas principais medidas após seu retorno ao poder em 2007 foi acabar com a cláusula que limita as reeleições para se perpetuar na presidência. Lança mãocontinuamente de mecanismos autoritários como acordos informais, acumulação de poderes políticos e a forte repressão para governar. Centrais sindicais tem laços políticos estreitos com a FSLN e estão, hoje, cooptadas e aparelhadas ao governo, que mantém também forte influência sob os movimentos sociais.

Portanto, os laços com o chavismo eram estreitos erecebeu durante muito tempo apoio político e econômico venezuelano, isto explica a fonte de financiamento dos negócios de Ortega e de toda a política assistencialista emque sustentava seu governo. Aqueda dos preços do petróleo fez secar a torneira. A crise venezuelana arrastou consigo a Nicarágua, daí também explica-se  a atual debilidade econômica nicaraguense. Hoje, a realidade da condição de vida do povo nicaraguense é revelada. Os índices econômicos que se mostravam “positivos” nos últimos períodos se diluíram com a crise. O salário mínimo (valor de 11/2017) em média não compra metade da cesta básica.

O fato é que Ortega, diante da escassez de sua principal fonte de financiamento, não perdeu tempo em buscar uma saída e fechou uma acordo com o FMI, que em fevereiro deste ano, após a visita de um corpo técnico, publicou uma nota que dizia que o acordo estava condicionado a uma profunda reforma da seguridade social, que foi decretada em 18 de abril

Este foio estopim para os confronto dos últimos meses. O decreto de regulamentação de reforma da previdênciareduzia as aposentadorias em 5% e aumentava as contribuições das empresas para 22% para resgatar o Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS), somava-se a um pacote de cortes da seguridade social.Com esta reforma previdenciária a contribuição trabalhadores passaria dos atuais 6,25% para 7% e , assim, o governopretendia arrecadar a mais 250 milhões de dólares (cerca de 854 milhões de reais).

Os primeiros protestos aconteceram na capital Manágua, no mesmo dia da publicação do decreto, já com confrontos entre manifestantes e membros da Juventude Sandinista, base paramilitar do governo. As manifestações se espalharam e em 22 de abril, Ortega revogou a reforma , mas os protestos e confrontos continuaram e agora somente a revogação a reforma não basta, o que está em xeque é o governo. Os manifestantes querem a renúncia de Ortega no poder a 11 anos e para permanecer governando Ortega se vale de brutal repressão até agora com quase 400 mortos.

Desde então, o país explode com mobilizações massivas, a juventude e os aposentadosestiveram a frente das manifestações, os estudantes universitáriosocuparam a Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (Unan), outras universidades importantes foram fortemente mobilizadas, a partir daí outros segmentos sociais entraram em cena, movimentos sociais das cidadese do campo. Nacapital, Manágua, foram registrados os maiores números de confrontos e mortes, mas também há um grande foco de resistência em Masaya (motor da insurreição contra Somoza), cidade que em 19 de junho declarou-se “território livre” e nomeou uma junta de “autogoverno”, onde a população local bloqueou estradas e levantou barricadas nas ruas. O tradicional bairro indígena de Moninbó, na zona oriental da capitalé palco dos enfrentamentos mais duros. No pequeno povoado de Niquinonho, no interior, onde nasceu Sandino, importantes enfrentamentostambém aconteceram.

Ortega, desta forma,escancara o aparato repressivo que sustenta seu governo e intensifica o bonapartismopróprio desses regimes, conta com a força de milícias paramilitares que o regime organizou e armou e que funcionam como um grupo de choque paralelo à polícia e ao exército, que também foram convocados para reprimir manifestantes em Masaya. Diante desse cenário de brutal repressão, iniciou-se há várias semanas um intenso fluxo deimigrantes que abandonam o país rumo principalmente à Costa Rica.

Está claro que há uma instabilidade cada vez maior do governode Daniel Ortegae uma boa parte da esquerda internacional aferra-se a sua política reformista e sustenta a patética ilusão de que esta crise de algum modo é um complô articulado pelos EUA. Esquecem-se que todo esse processo começa com a aplicação de um acordo entre o dito “guerrilheiro” com um dos mais centrais organismo do imperialismo.

Desta forma, cabe reafirma que quando da derrubada da ditadura de Somoza não houve revolução, o que se assistiu foia conformação de governos que imprimiram uma dinâmica de aproximação e colaboração de classes e não a planificaçãoda economia com expropriação da propriedade privada sob a égide da ditadura do proletariado. A FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), portanto,se estruturou sob as bases sociais e políticas dogoverno ditatorial que derrubou e, assim, consolidou-se no poder.

Enveredou-se, pois, em um processo de buracratizaçãoe de adaptação, que culminou na manutenção das bases econômicase políticas próprias do regime democrático burguês, principalmente a partir da década de 90, quando em acordo com o Imperialismo e com outros setores da burguesia nacional, convoca eleições e Daniel Ortega é derrotado nas urnas, mergulhando o sandinismoem uma longa crise.

Ortega só retornaria ao poder em 2006 por meio de uma aliança com políticos “conservadores” e com a Igreja. A partir daí  expressa-se o vultuoso aumento do patrimônio da família Ortega, que beberam o leite farto que jorrava do petróleo Venezuelano. Hoje, dirigem a empresa que negociou a instalação do canal que a China está construindo e que ligará o oceano Atlântico ao Pacífico. Seus irmãos controlam três canais de TV e diversas rádios e jornais. Controlam também a relação com todos fundos privados de pensão, além de Rafael Ortega dirigir com sua esposa, a distribuidora de Petróleo da Nicarágua.

Diante desse cenário, a estratégia do governo é desgastar e desarticular a forte mobilização, para tanto uma mesa de negociação foi estabelecida, por intermediação da Igreja católica. Busca-se uma saída para a crise que permita a Ortega, seus asseclas e familiares preservarem principalmente seus interesses políticos e econômicos.  Neste momento trava-se uma disputa sobre o desenlace da crise, sobre como ficará nos próximos períodos a conformação do poder político nicaraguense.O fato é que Ortega está cada vez mais isolado, frente à esta disputa procura ganhar tempo e tenta costurar um acordo.

Está claro, portanto, que a ascenso das massas na Nicarágua, não incomoda somente o governo, mas também o conjunto da burguesia, que se articula por meio de seus organismos e passa a ocupar espaço na mobilização dos protestos, para tanto conformou a Aliança Cívica, frente formada por patronais congregados na COSEP (Conselho Superior da Empresa Privada), de capital transnacional, organizações campesinas e estudantis, e outros organismo da sociedade civil. Esteve à frente das principais mobilizações, marchas e “Greves gerais” de 24 horas, como a do último dia 26, quando 19 ativistas foram presos.

O fato é que é a Aliança cívica quem está apontando os rumos dos protestos; a classe trabalhadora organizada não tem sido protagonista, pois as centrais sindicais jogam contra, traem o movimento, não mobilizam e defendem o governo que as sustenta. A questão é que as reivindicações se limitam nos marcos da institucionalidade do “direito de votar”. Assim, a Aliança cívica joga com a renúncia de Ortega e a antecipação das eleições presidenciais de 2022 para o ano que vem, logo, a saída para crise passariaunicamente pelos marcos da democracia burguesa. 

Cabe não se esquecer, que esta burguesia esteve estreitamente alinhada com o governo e somente rompeu com Ortega em maio, quando se intensificoua crise.

Neste momento, trava-se a batalha política para o desenvolvimento da luta contra o governo. Diante do bonapartismoé necessário o armamento dos trabalhadores para a ação da autodefesa. A classe trabalhadora precisa se pôr em movimento, somente os trabalhadoresorganizados da Nicarágua serão capazes de desmascarar a farsa da Aliança Cívica, da FSLN e da Igreja. É fundamental combater as direções sindicais traidoras, para tanto, é necessário que estejam à frente das mobilizações, cumprindo as tarefas capazes de pôrfimàReforma da Previdência,isto só será possível pela construção com total independência de classe da greve geral por tempo indeterminado. Somente com um programa que apresente as reivindicações e os métodos próprios da classe, os trabalhadores serão capazes de pôr abaixo não só o clã de Daniel Ortega, mas também o conjunto da burguesia. Para tanto é fundamental a construção do Partido Revolucionário que opere as tarefas postas para o proletariadocontra a exploração burguesa.

 

Setembro 2018

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