AOS 60 ANOS DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA: NÃO TEMER O SEU RETORNO, MAS PREPARAR O ENFRENTAMENTO DA DEMOCRACIA BURGUESA!
Quarta, 27 Março 2024 09:29No próximo dia 31 de março, completam-se 60 anos do golpe civil-militar que instaurou a ditadura militar brasileira, a qual perdurou por mais de duas décadas, impondo um regime de terror através de tortura, execuções e desaparecimento de pessoas. Aos 60 anos do golpe, convivemos ainda com os resquícios da ditadura militar presente nas organizações da democracia burguesa, como a Polícia Militar que atua da mesma forma, torturando, executando e desaparecendo com a população pobre e periférica. Aos 60 anos do golpe, mais do que temer o seu retorno, devemos preparar e organizar o enfrentamento da democracia burguesa, a ditadura do capital!
BRASIL, AMÉRICA LATINA E O IMPERIALISMO
O golpe militar de 64 foi financiado pelo imperialismo norteamericano diante do crescimento do movimento operário, dos camponeses e dos estudantes no Brasil e na América Latina. O golpe buscou garantir esses interesses econômicos e financeiros e, através das Forças Armadas, implementar a ditadura mais cruel do capital. A ditadura sentou as bases para o avanço do capital monopolista na economia nacional, com massivos investimentos de multinacionais e instalação de plantas, que sob a tutela dos militares, encontraram um campo fértil para o aumento da exploração da força de trabalho, impondo o arrocho salarial e a repressão aos sindicatos e sindicalistas. Serviu para atacar as organizações de classe, perseguir e exterminar uma vanguarda militante.
As Forças Armadas no Brasil e nos demais países latinoamericanos desempenham papel fundamental nestes estados que se caracterizam por uma forma de dominação própria dos países semicoloniais, o que Trotsky denominou bonapartismo sui generis. Nestes países, pelo próprio desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, o capital monopolista exerce um papel decisivo. A burguesia nacional, ou sub-burguesia, é débil pois “incapaz de constituir sua dominação democrática porque, por um lado tem o capital imperialista, e por outro, tem medo do proletariado, porque a história lá saltou uma etapa e o proletariado se tornou um fator importante antes que tenha sido realizada a organização democrática do conjunto da sociedade.”[1] Nestes países, desenvolveu-se condições especiais de poder estatal, ou seja, o estado se eleva por cima das classes, mas oscila entre o capital imperialista - submetendo o proletariado a ditaduras policialescas, ou militares - e o capital nacional que manobra com o proletariado, abrindo algumas concessões como forma de ganhar certa independência em relação ao capital monopolista. São estas oscilações que promovem a instabilidade política e social característica da região.
“GOLPES POR TODO O LADO” OU SOBRE A NECESSIDADE DO CENTRISMO DE JUSTIFICAR SUA DEFESA À DEMOCRACIA BURGUESA
O golpe civil-militar de 64 impôs a mudança e o recrudescimento do regime, sem alterar sua essência: uma forma de dominação burguesa. Por isso o equívoco de se colocar a ditadura como o oposto da democracia. Para qualquer marxista, à forma deve corresponder um conteúdo de classe. Assim, tanto a ditadura como a democracia podem ser formas de dominação burguesa ou, como perseguimos através da revolução, proletárias. Ou seja, as formas de dominação não são abstratas, mas se relacionam à luta de classes. Logo, “ditadura não significa necessariamente a extinção da democracia para a classe que exerce essa ditadura sobre as outras classes, mas significa necessariamente a extinção (ou uma restrição muito essencial, o que é também uma das formas de supressão) da democracia para a classe sobre a qual ou contra a qual se exerce a ditadura.” [2]
Desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, a palavra golpe vem sendo utilizada com diversas matizes pelas direções reformistas e pelo centrismo para caracterizar o acirramento das disputas de frações burguesas mais ou menos alinhadas ao imperialismo, diante da crise econômica mundial, e canalizadas em mecanismos constitucionais de alternância de poder.
Assim, para estas direções e organizações, há uma continuidade causal entre o “golpe” de 2016, a eleição de Bolsonaro (PL) e suas tentativas constitucionais de permanecer no governo após o fim de seu mandato. Lembremos, contudo, que durante todo esse período, foram realizadas todas as eleições previstas no calendário da democracia burguesa, inclusive com a participação destas mesmas direções e organizações.
O último evento recente, caracterizado como tentativa de golpe, foi a invasão à Esplanada por apoiadores bolsonaristas uma semana após a posse de Lula (PT), em janeiro de 2023, facilitada pelas forças de segurança do Distrito Federal. A invasão ocorreu em pleno domingo, com os prédios vazios, sem a participação das Forças Armadas e sem nenhuma tentativa de destituir o presidente. A teoria do golpe, levantada pelo STF que ordenou a prisão dos invasores, e reproduzida pela esquerda temerosa, era a de que a invasão à Esplanada provocaria o acionamento da Garantia de Lei e da Ordem (GLO) pelo próprio presidente Lula e então estaria realizada a intervenção militar - só que sob o comando do próprio Lula. Ou seja, um golpe de estado que só ocorreria pela ação do próprio “golpeado” ou como bem traduzido pelo ditado popular, “só faltou combinar com os russos”. Como os eventos demonstraram depois, acima das intenções golpistas prevaleceu o pacto pela governabilidade burguesa, essa sim, acordada com os três poderes, as Forças Armadas e claro, com o imperialismo.
Recentemente, Alexandre de Moraes, ministro do STF, retirou o sigilo dos depoimentos à Polícia Federal dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, sob o governo Bolsonaro, que implicam diretamente o ex-presidente em um plano para questionar o resultado das eleições presidenciais através de uma intervenção civil-militar no Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo próprio Alexandre de Moraes. Segundo os ex-comandantes, foi o próprio Bolsonaro que apresentou, em dezembro de 2022, a “minuta do golpe” aos chefes militares, um decreto que, sob brechas constitucionais, estabeleceria um “estado de defesa” no TSE seguido da criação de uma “comissão de regularidade eleitoral” composta por militares, ministros e parlamentares para impedir a posse de Lula. Ainda segundo os depoimentos, apenas o ex-comandante da Marinha colocou suas tropas à disposição de Bolsonaro, sendo a minuta rechaçada pelos chefes da Aeronáutica e do Exército e, este último, ainda ameaçou prender o próprio Bolsonaro caso seguisse com qualquer tentativa de intervir sobre o resultado das eleições e a posse do novo presidente eleito, ou seja, sobre as instâncias da democracia burguesa.
Mais do que amor à democracia burguesa, as Forças Armadas demonstraram seu alinhamento com a posição do imperialismo norte americano que já havia declarado que não apoiaria nenhuma tentativa de ruptura institucional na semicolônia brasileira. Afinal, a chapa Lula/ Alckmin já havia se comprometido com os interesses imperialistas e de uma fração da burguesia nacional com seu governo de frente ampla e não havia, e ainda não há, nenhum ascenso da luta de classes, pois as direções foram fiadoras do governo de frente ampla, mantendo o total controle e isolamento das organizações de classe e dos trabalhadores.
Entrando no segundo ano de seu mandato, Lula reestruturou sua relação com as Forças Armadas e auxiliares e com as instituições da democracia burguesa, na relação com os trabalhadores, com relativa tranquilidade. Aprovou o novo teto de gastos e a reforma fiscal, criou política de financiamento e empréstimos para a burguesia industrial, manteve as condições para o crescimento do agro e da indústria extrativista. Em relação aos militares, manteve os orçamentos previstos para as três Forças Armadas enquanto cortou de outros ministérios mais ligados ao centrão, colocou os militares nos projetos de reindustrialização do Novo PAC, não realizou nenhum esforço para a criação da comissão de mortos e desaparecidos como havia prometido e, agora, proibiu qualquer participação do governo em atos sobre a memória dos 60 anos do golpe, acordando com os militares que esses também não fariam suas “comemorações”, realizadas durante o governo Bolsonaro.
Ainda assim, o discurso sobre o “golpe” e suas tentativas têm dominado a política das direções sindicais, abertamente defensoras do governismo, e das organizações centristas que buscam justificar a opção pelo apoio a Lula na última eleição a todo o custo. Longe de enxergar a real dinâmica das relações interestatais e da luta de classe, promovem a defesa incondicional da democracia burguesa pois centram sua política e sua atuação no estado burguês, principalmente nas eleições parlamentares. Justificam que, com a ameaça iminente de um novo golpe militar, só lhes restava o apoio eleitoral ao Lula; afinal, a democracia burguesa é favorável à ditadura militar. E agora, voltam sua política não apenas para a defesa da democracia burguesa, mas pelo fortalecimento do estado burguês e suas instâncias jurídicas e repressivas, cobrando a prisão e a não anistia aos “golpistas”.
AOS 60 ANOS DA DITADURA MILITAR, REFORÇAMOS: NÃO É NOSSA TAREFA A DEFESA DO ESTADO BURGUÊS, MAS A ORGANIZAÇÃO DO SEU ENFRENTAMENTO E SUA DESTRUIÇÃO
Ora, sabemos que o fechamento do regime em uma ditadura militar tem consequências sérias na organização da militância, já que é uma forma de dominação do capital voltada para a destruição das nossas organizações de classe. Porém, não podemos abandonar os instrumentos que possuímos de análise, caracterização e intervenção na realidade, que é o marxismo, para “acreditar” que dentre uma forma de dominação burguesa ou outra, só depende a nossa vontade - nem como classe, mas diluídos como população - expressada através do voto. Bem como não podemos defender a democracia burguesa como um refúgio covarde da luta de classes, pois “o Estado democrático burguês não se limita conceder aos trabalhadores melhores condições de desenvolvimento (...); com sua legalidade limita esse mesmo desenvolvimento, acumula e garante com arte a formação dos hábitos oportunistas e dos preconceitos legais no seio das pequenas aristocracias operárias.”[3]
Na atual época de decomposição do imperialismo e de suas formas de dominação, limitar a atuação da luta de classes no âmbito das instituições da democracia burguesa é renegar a estratégia comunista, a luta do proletariado pelo poder. E frente a qualquer ameaça do recrudescimento do estado burguês, levantar a política de defesa de maior estatismo ao invés do fortalecimento das nossas organizações de classe e da nossa autodefesa, é trair a classe trabalhadora e conduzi-la diretamente para a derrota. Mais do que nunca, devemos avançar com a nossa organização para o enfrentamento do estado burguês e do imperialismo, atacando as bases da burguesia, a produção. Aos 60 anos do golpe militar, seguimos afirmando: à ditadura do capital é preciso contrapor e impor a ditadura revolucionária do proletariado, única forma possível de dominação da classe trabalhadora!
[1] Trotsky. Discussão sobre a América Latina, 1938.
[2] Lenin. A revolução proletária e o renegado Kautsky, 1918.
[3] Trotsky. Terrorismo e Comunismo, 1920.