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Desorientado, o imperialismo elege direção
Eleições nos EUA
Desorientado, o imperialismo elege direção
Nas próximas eleições presidencias nos EUA, marcadas pela pandemia e pela crise econômica e social, enfrentam-se os dois históricos partidos imperialistas. O atual presidente Donald Trump encabeça a votação republicana, o ex-vice presidente de Obama, Joe Biden, a democrata. São expressões das duas últimas administrações, ambas falidas.
As pesquisas mostram Biden como favorito, com 51% do voto popular contra 43% de Trump, segundo uma “pesquisa das pesquisas” da BBC (27/10). Todavia, o sistema de votação yanque não é direto, mas através de um colégio eleitoral, então, este número é relativo. Uma análise mais minuciosa também favorece o candidato do Partido Democrata (PD). O colégio eleitoral é formado por delegados de cada Estado, segundo sua representação no congresso e quem ganha em cada um, leva todos os delegados; por outro lado, muitos Estados estão historicamente definidos para um ou outro partido, por isso, os que determinam o resultado são os chamados “swing Estates” (Estados oscilantes).
Neste estudo conduzido pela BBC, Trump manteria, por enquanto, 4 dos Estados oscilantes onde ganhou em 2016, e não recuperaria nenhum, enquanto Biden manteria 4 daqueles onde ganhou Hillary Clinton, e recuperaria 6 daqueles em que Trump ganhou. Em alguns aparece com uma vantagem clara, como é o caso de 3 importantes Estados industriais que em 2016 ajudaram na vitória de Trump: Michigan (diferença de 9%), Pennsylvania (dif. 3,8%) e Wiscosin (dif. 5,5%), os três integram o chamado “Rust Belt” (Cinturação do Ferrugem). Entretanto, os mesmos autores do estudo advertem que as pesquisas devem ser lidas com ceticismo, não apenas por causa dos erros eleitorais mais recentes em todo o mundo, senão, mais concretamente, pela incerteza criada pela pandemia e seus efeitos sobre a economia mundial e a própria votação de 3 de novembro. De fato, as condições de pandemia levou a uma enxurrada sem precedentes de votos antecipados: 84 milhões até esta data.
Eleições de crise
Esta incerteza não só deve ser atribuida ao COVID-19, que de fato acelerou a crise mundial que já estava se desenvolvendo, mas também pelo atolamento da mudança de orientação imperialista que a administração Trump prometia. Isto se reflete na própria campanha eleitoral. Trump deixou de lado vários elementos do discurso que o levou à presidência em 2016. Mesmo que continuem suas bravatas contra a China, não pode mostrar números substantivos de recuperação de postos de trabalho industriais que supostamente iria criar através da guerra comercial com a China e outro países, como o México, para repatriar fábricas. E, se bem que algumas empresas norte americanas retiraram suas plantas industriais da China, só para transladá-las para uma semicolônia do sudeste asiático, enquanto outra parte das empresas industriais mudaram para o apoio à Biden, irritadas com o aumento do custo de insumos importados da China pela aplicação dos impostos.
Pelo lado dos números, o déficit comercial com a China continúa, e o pior golpe está relacionado com a pandemia: a China se coloca como a única grande economia industrial que encerrará 2020 recuperando os níveis de produção pré-crise. Isto talvez explique a possibilidade de perder eleitoralmente vários Estados do Cinturão (industrial) da Ferrugem.
A campanha de Trump já não dá enfase nesses problemas e coloca no centro a consígnia de “a lei e a ordem”, polarizando com velhas contradições que a formação do Estado yanque, que como tal, nunca pode e nem poderá resolver, como o racismo, o submetimento do povo negro, a relação dos Estados com o governo central e das diferentes instituições estatais entre si. Com efeito, a designação, por parte da maioria republicana no Senado, de Amy Coney Barrett como novo membro da Corte Suprema como um baluarte da direita para colocar o poder judiciário a favor dos setores conservadores, deslocou a pandemia na discussão política das últimas semanas.
Quanto à posição do imperialismo no mundo; se bem que a administração atual avançou na ruptura do velho ordenamento de instituições internacionais do pós-guerra como o Acordo de Paris, a OMC ou, inclusive a OMS; não pode negociar uma nova configuração que defina uma orientação estratégica para o capital. No plano internacional, a conquista mais importante foi a defesa estrita do avanço diplomático e militar de Israel sobre a Palestina e no Oriente Médio em geral, ainda que, isto também está questionado por mobilizações no seio do enclave sionista.
Biden, por sua vez, tem muito pouco para mostrar. Precisa conter os movimentos que vem se desenvolvendo frente à acumulação de contradições sociais geradas pela impossibilidade de dar uma saída imperialista para a crise de 2008, sobre às quais se sobrepõem as novas contradições geradas pela crise atual.
Com a ajuda dos Socialistas Democráticos da América (DSA, sua sigla em inglês) e da burocracia sindical da AFL-CIO, conseguiu desenvolver um discurso que tenta cooptar esses movimentos e, ao mesmo tempo, evitar se alienar das simpatias dos setores burgueses imperialistas que sustentam sua campanha. Estamos falando do melhor do capital financeiro de Wall Street e os gigantes da “nova economia” do Vale do Silício.
Biden sabe que se tem alguma chance de ganhar é aglutinando todos os setores anti-Trump: por isso o ataca por alguns flancos, como sua derrapada na política para a China e a Rússia, prometendo um suposto “multilateralismo”, para sustentar um avanço ainda mais agressivo sobre a China. Provavelmente este seja o único elemento sério do plano de Biden: sustentar uma ofensiva para tentar acelerar a assimilação dos ex-Estados Operários, sem dúvida, a única saída estratégica que os imperialistas têm claro há decádas. O problema são os obstáculos objetivos que própria decomposição imperialista opõem a esta tarefa.
Outros pontos que anuncia Biden são a reforma dos gastos estatais, os impostos, inclusive o salário mínimo, uma discussão bastante disparatada para um país imperialista, mas que também está colocada na União Européia.
Acontece que, as ajudas que Trump introduziu para tentar sair da crise atual, o maior pacote de resgate da história (US$ 2,2 bilhões), igual aos pacotes do estado central e das províncias chinesas e o votado pela UE, estão gerando uma espiral de endividamento que assentam as bases para novos saltos na crise capitalista mundial.
Recessão e pandemia
O horripilante manejo da pandemia por Trump é algo inquestionável: com 230.000 mortos e 9 milhões de contaminados, até a própria administração confessa que se tornou um problema incontrolável. Mas o novo dado de um crescimento do PIB de 7,2% no 3º trimetre deste ano, contra o trimestre anterior, permitiu aos trumpistas, retomar a ofensiva sobre o manejo da economia. O certo é que, inclusive antes da pandemia, o crescimento econômico vinha se desacelerando depois de uma década de crescimento iniciado na administração anterior depois da crise de 2008. As consequências da pandemia levaram a economia a recessão, com uma enorme perda de postos de trabalho. Nem o PIB, nem o emprego voltaram aos níveis anteriores a março. O que é pior, a chamada segunda onda da pandemia, tanto na Europa como nos EUA, põe em questão que a recuperação do 3º trimestre se mantenha, pelo menos a este ritmo. De fato, o FMI situa a queda anual para o final do ano, em 4,3%.
Diante destas perspectivas sombrias, a resposta é um novo pacote de estímulos que Trump tentou colocar por decreto mas, finalmente, ficou travado no congresso. Este pacote provavelmente será aprovado uma vez finalizada a eleição, seja quem seja que ganhar, aumentando o endividamento estatal, ao que é necessário somar a bolha da Bolsa de Valores que assinala que a recuperação, como aconteceu em 2008, só está sendo apontada com a emissão de capital fictício. A diferença é que, desta vez, aparece como uma “emissão preventiva” que, longe de estimular o crescimento, poderia afogar o vigor das empresas em sua disputa pelo mercado mundial, onde cobram plena vigência as leis tendenciais do capital.
Já falamos das debilidades da guerra comercial lançada contra a China. Isto não que dizer que a China esteja saíndo como vencedora deste enfrentamento. O PC chinês está sim, aproveintando que o imperialismo yanque está concentrado em resolver sua crise interna, para tomar posições no mundo, mas, ao mesmo tempo também recorre a um endividamento sem igual para alentar seu setor manufatureiro e seu mercado interno, alimentando outro tipo de bolha. A desorientação imperialista, somada ao desenvolvimento da crise da economia mundial, dá lugar a todo tipo de crise política, desde a UE, até as diferentes regiões onde as sub-burguesias semicoloniais ficam sem um eixo que lhes permita, pelo menos refrear a crise social e das intituições Estatais. Todos estes elementos, longe de fazer a “América do Norte grande outra vez”, assentam as bases para que todas essas contradições golpeiem ainda com mais força os cimentos do imperialismo norteamericano.
Luta de classes
O elemento mais novo da situação norteamericana, inclusive mundial, é a explosão da crise social cujos elementos vêm se acumulando no aprofundamento das contradições de classe, pelo menos desde a crise de 2008. Movimentos surgidos depois dessa crise, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e outro como o Ocuppy Wall Street, embora tenham sido incorporados institucionalmente em sua época, através da campanha de Bernie Sanders, são antecedentes das enormes mobilizações pelo assassinado contínuo do povo negro por parte da polícia, cujo momento de ruptura foi o assassinato de George Floyd em maio, em meio às políticas de quarentena dos Estados. Esse deterioramento social se choca com a propaganda de 10 anos de crescimento, bandeira que disputam os dois partidos da ordem imperialista. Este choque não só se faz evidente na luta do povo negro e o massivo questionamento à instituição policial, mas também em várias lutas sindicais, onde se luta para recuperar o que foi perdido nas negociações coletivas pós 2008, enquanto a burguesia defende a linha de que a classe operária deve em troca dar maiores “concessões” às empresas face à recessão atual.
A situação se polariza, com o surgimento de grupos radicalizados pela direita, alguns armados, que levantam as bandeiras do racismo, os valores religiosos e a liberdade burguesa. Estes grupos são a base dura do voto em Trump. Assim como este, polariza com a idéia de que BLM e os ANTIFA são o caos e então manipulados pelos democratas para galvanizar sua base, a AFL-CIO e setores progressistas chamam a enfrentar a possibilidade de que Trump desconheça os resultados e realize um tipo de “autogolpe” para consolidar o voto de Biden. É o mesmo papel que a ala esquerda dos democratas jogou para cooptar os movimentos pós-2008, fazendo orgânico o inorgânico, mas com um grau maior de decadência e decomposição. A idéia seria que, por não ter engolido o sapo de Hillary por muitos dos eleitores de Sanders na interna de 2016 foi o que levou Trump para a presidência … agora, chama a engolir o sapo do conservador Biden e na defesa das instituições da democracia imperialista, que se baseia nessa política que as massas questionaram nas ruas e barricadas de Oregon, Wisconsin e todo o país. Essa democracia que já vinha questionada por seu papel assassino no Afeganistão e Iraque, algo que Obama e Trump tiveram que levar em conta para camuflar e refrear suas aventuras no estrangeiro, ainda que seja igual às que tiveram como na Líbia, Síria ou jogando a “mãe das bombas” na Ásia Central.
O papel contrarrevolucionário do reformismo sem reformas de Bernie Sanders exige uma forma mais organizada no DSA, que em seu documento “National Electoral Estrategy”(Estratégia Eleitoral Nacional) denuncia como “establishment neoliberal” os candidatos do PD, enquanto sua máxima referência, Alexandria Ocasio-Cortez, chama o voto em Biden com o argumento de que “é central tirar Trump”.
O pior é que uma lógica similar defende as correntes do centrismo trotskysta que, enquanto chamam a abstenção, impulsionam uma Frente Única democrática contra um eventual “autogolpe” de Trump, como é o caso do PO. Ou diluem qualquer idéia de programa operário para tentar “empalmar” com esta ala esquerda do regime e com os movimentos, como se esses últimos não tivessem direções, como é o caso de Left Voice, ligado ao PTS-FT. A tendência de Altamira festeja de antemão uma grande participação eleitoral, como fez na Bolívia e no Chile, fortalecendo pela esquerda o principal engano que a burguesia tem para as massas: fazê-las acreditar que estão elegendo sua direção quando, na realidade, é o imperialismo que está defendendo sua direção.
As eleições são um reflexo distorcido da realidade, e nelas se coloca a orientação da burguesia imperialista em relação com as massas através do regime de dominação, o Estado e a democracia imperialista e suas instituições. Nisso, o imperialismo norteamericano tem um problema grave. Os mecanismos de cooptação e as novas direções contrarrevolucionárias são efêmeras, porque as bases materiais, econômicas, de dominação do capitalismo estão em putrefação. A chave é preparar as forças do proletariado e sua vanguarda para poder enfrentar o Estado imperialista, e não apoiar uma ala supostamente democrática do regime burguês contra sua ala “direita”
Programa de transição e direção revolucionária
As correntes centristas que enumeramos anteriormente, e muitas outras, defendem a abstenção frente aos não apresentáveis dos candidatos dos grandes partidos imperialistas e também das pequenas formações liberais, reformistas e verdes que pululam em cada eleição presidencial. Porém, acompanham isso com um programa democrático radical, ao que chegam por diferentes caminhos, seja a subordinação aos movimentos dos morenistas e neo-morenistas ou a teoria de campos tipo a do PO argentino. Para dar um exemplo, flertam com idéias jacobinas como a abolição do colégio eleitoral, a implantação do voto direto e reformas institucionais dessa espécie, com o enfrentamento à “direita fascistizante” de Trump e dos paramilitares. Não está descartado que Trump e os grupos que ele inflama saiam da relação de forças desconhecendo os resultados e trazendo uma crise política ainda maior para o primeiro plano, ainda que seja pouco provável, mas, de qualquer forma, não se trataria de enfrentá-los com um programa de reforma democrática, mas com um programa operário e com os métodos de nossa classe.
À partir da TRQI, defendemos desenvolver um movimento de abstenção para enfrentar os candidatos do imperialismo, a partir de uma posição de independência de classe. Chamanos a nos organizarmos nos ramos da produção, a recuperar os sindicatos, a organizar as fábricas e lugares de trabalho contra os patrões e ao ingresso massivo dos imigrantes, dos negros, dos latinos, dos jovens e das mulheres em nossas organizações de classe. Chamamos ao proletariado norteamericano a se colocar à frente da luta contra a opressão que o imperialismo exerce em todo o mundo, a se solidarizar com os povos semicoloniais que lutam contra o FMI e os governos lacaios, fortalecendo assim a unidade operária com os imigrantes dentro dos próprios EUA. Frente à crise capitalista, é necessário desenvolver um programa de transição, que dê resposta às penúrias das massas, desde uma saída operária para nos deixar no umbral da ditadura do proletariado. Assentar, assim, as bases de um partido revolucionário nos EUA, que levante bem alto as bandeiras antiimperialistas como seção da IV Internacional reconstruída.