Venezuela: lutemos por uma saída revolucionária!

Lunes, 19 Agosto 2024 17:23

No dia 28 de julho realizaram-se as eleições presidenciais na Venezuela que, sem nenhuma surpresa, deram vitória a Maduro para exercer mais um mandato. À diferença das últimas eleições, esse processo se deu com a disputa da oposição diretamente ligada ao imperialismo, depois de um acordo costurado por Brasil e México entre Maduro e os EUA, o qual previa eleições “justas” em troca do afrouxamento das sanções e maiores inversões na indústria petrolífera. O acordo se deu no momento em que, um maior acesso e controle das reservas petrolíferas da Venezuela tornou-se estratégico para os EUA, diante da guerra na Ucrânia e sua política de imposição de sanções aos combustíveis russos, convertendo-se no principal fornecedor de combustível para a Europa.  

Após a declaração do resultado pelo conselho eleitoral venezuelano, dando a vitória à Maduro, a oposição liderada por Corina e representada por Gonzalez como candidato, saiu a declarar fraude eleitoral. Além disso, buscou apelar para que as Forças Armadas abandonassem as ordens de Maduro e apoiassem a vitória de Gonzalez, o que obviamente não ocorreu, já que o governo Maduro tem se sustentado, ainda que de forma débil, nas Forças Armadas, cujo alto comando transformou-se em uma fração da sub-burguesia venezuelana através do chavismo. Houve manifestações em todo o país, duramente reprimidas pelo governo, somando mais de 20 mortes, centenas de feridos e cerca de 2 mil pessoas detidas. A oposição divulgou as atas eleitorais que tinha em mãos e que, segundo análise de agências internacionais, comprovam a vitória de Gonzalez por uma grande margem de diferença de Maduro. 

Países da região como Argentina, Uruguai, Chile e Equador declararam reconhecer Gonzalez como vencedor. Já o Brasil, Colômbia e México buscaram uma posição de certa neutralidade, apelando para que o governo venezuelano apresentasse as atas eleitorais para comprovar a vitória de sua reeleição, postura que legitimou o governo desses países a atuarem como mediadores do conflito com as bênçãos do imperialismo estadunidense. Este, por sua vez, foi obrigado a recuar de uma posição de reconhecimento de Gonzalez para apostar nas negociações com Maduro a fim de que exerça a transição do governo de forma pacífica. A expectativa do imperialismo é que a mudança de governo favoreça a alteração do “marco legal” venezuelano, permitindo a entrada maciça de investimentos na indústria petrolífera e a renegociação das dívidas via empréstimos pelo FMI, ou seja, submeter a economia venezuelana e suas reservas petrolíferas diretamente ao imperialismo. Apesar de Rússia e China saírem a reconhecer a vitória de Maduro, pois o destino de seus negócios e investimentos no país está diretamente ligado ao atual governo, este apoio pode se tornar mais frágil, já que tanto os investimentos russos na PDVSA como os empréstimos chineses para alavancar a indústria do país, transformaram-se em dívidas continuamente reestruturadas nos últimos anos. 

Neste momento, o imperialismo norte americano busca uma saída negociada para a Venezuela, através de seus capachos na região, como o governo Lula, com propostas de anistia à Maduro, novas eleições e até um governo de “transição” composto pelas duas frações da sub-burguesia em disputa. Essa relativa “cautela” se dá num momento em que os EUA estão envolvidos em outros conflitos externos, como parte de sua política mais agressiva para assimilar os ex-estados operários, além de, internamente, sofrer forte pressão pela política genocida que leva a cabo em Gaza, através de seu enclave no Oriente Médio. Tudo isso em meio ao processo de disputa eleitoral, no qual Trump tem sérias chances de se eleger, o que provocaria alterações na política dos EUA para as semicolônias e, portanto, na relação tanto com a Venezuela, mas também com o Brasil, Colômbia e México. 

É importante aqui caracterizar o chavismo dentro de uma perspectiva de classe que, dado o atual momento histórico, só pode ser revolucionária.  Neste sentido, é importante observar o quanto o centrismo trotskista se afastou dessa perspectiva ao caracterizar o chavismo e o governo Maduro dentro um suposto “progressismo” anti-imperialista e, dessa forma, defendendo políticas que escancaram sua adaptação às instâncias do estado burguês.  

Trotsky, ao analisar a relação das semicolônias, com uma classe operária relativamente desenvolvida e com uma sub-burguesia relativamente débil - porque dependente do capital monopolista -  com o imperialismo, desenvolveu o conceito de bonapartismo sui generis, ou semi bonapartismo. Esse conceito nos fornece um instrumento de análise preciso para caracterizar os diferentes governos nas semicolônias que, por conta dessa relação com o imperialismo e com a classe operária, se produzem dentro de condições especiais de poder estatal. Estes podem se submeter diretamente ao imperialismo, reprimindo brutalmente a classe operária ou podem buscar uma relativa independência do capital monopolista, controlando a classe operária através das burocracias sindicais, concedendo algumas “migalhas”. 

É sob essa lente que podemos compreender o chavismo - e o governo Maduro - como formas de governo burguês. Hugo Chavez, ao estatizar algumas empresas e a indústria petrolífera, não promoveu um “socialismo do XXI”, mas uma nova fração da burguesia nativa, ligada às Forças Armadas, que buscava sair da tutela direta do imperialismo para explorar sua mão-de-obra e seus recursos com maior autonomia. O chavismo não expropriou a sub-burguesia venezuelana, não planificou a economia e, muito menos, criou condições de controle operário da produção; pelo contrário, colocou os sindicatos sob a tutela do estado burguês, beneficiou diferentes frações da burguesia nativa e desenvolveu uma sub-burguesia militar. Ao atribuir um papel “progressista” no chavismo, o centrismo e o reformismo rechaçaram o sujeito histórico da revolução, o proletariado, sua forma de dominação em um estado transicional - a ditadura revolucionária do proletariado - e seu caráter internacionalista. Fato é que, com a crise do petróleo e as sanções impostas pelo imperialismo, a crise econômica atingiu patamares drásticos, com hiperinflação, desemprego, fome e um total de mais de 7 milhões de refugiados. Maduro aprofundou reformas que ampliaram a exploração de classe, devolveu diversas empresas que tinham sido nacionalizadas pelo chavismo e negocia diretamente com o imperialismo maiores inversões na indústria petrolífera. 

O recente processo eleitoral acelerou a crise e a decadência desse regime, expondo ainda mais seu caráter de classe e a disputa das diferentes frações da burguesia venezuelana na relação com o imperialismo. Também escancarou como o centrismo abdicou de qualquer análise marxista para focar na discussão de regime, opondo democracia e ditadura - como abstrações descoladas da luta de classes - debatendo apoio  à Maduro como anti-imperialista ou à Gonzalez como expressão da “vontade popular" e, assim, aprofundando cada vez mais suas tendências estatistas. Para o PSTU e MRT, por exemplo, o principal problema dessas eleições foi a ausência de candidatos à esquerda, no caso, seus próprios candidatos. Agora, saem a defender a “transparência” eleitoral contra a fraude, a publicação das atas eleitorais, o respeito aos votos em Gonzalez contra a “ditadura” de Maduro, se alinhando totalmente ao discurso imperialista por “democracia” na Venezuela. Ou seja, colocam o eixo da luta de classes, não nos processos da produção capitalista e, portanto, na classe operária como sujeito histórico revolucionário, mas nas instâncias do estado burguês e na vontade popular. 

A decadência do regime venezuelano reafirma a impossibilidade de saídas estatistas “progressistas” e nacionalistas para a classe trabalhadora no atual estágio de decomposição do capitalismo e, portanto,  a necessidade de levantarmos políticas verdadeiramente revolucionárias. É preciso levantar a defesa da recuperação dos sindicatos que estão totalmente submetidos ao estado e, para isso, a organização da autodefesa e das milícias operárias para empenhar a luta pelo controle operário dos ramos produtivos mais importantes da economia, como o petrolífero e siderúrgico. Só com essa política é possível enfrentar a sub-burguesia venezuelana, em suas diferentes frações, e o imperialismo de conjunto, abrindo caminho para a imposição da nossa ditadura de classe, que não se encerra nos marcos nacionais, mas que só pode se concretizar na forma de Federação dos Estados Socialistas da América Latina a Caribe.

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