BRASIL PÓS-ELEIÇÕES: ORGANIZAR A NOSSA INTERVENÇÃO INDEPENDENTE E CLASSISTA!

Domingo, 06 Novembro 2022 18:01

Uma semana após a divulgação dos resultados do segundo turno das eleições gerais, com a vitória de Lula sobre Bolsonaro para a presidência, a transição de governo começa a se desenhar em meio aos protestos bolsonaristas, disputa sobre o orçamento 2023, negociações e rearranjos parlamentares para construir a governabilidade na democracia burguesa semicolonial brasileira.

Desde que Lula foi liberto da prisão ao final de 2019, o petista já era o candidato definido para as eleições em 2022, quase sem nenhuma oposição dentro do próprio partido. O tempo que se seguiu após sua soltura foi usado para a consolidação da Frente Ampla em torno de seu nome e também para a reconstrução de vínculos entre os petistas e as frações burguesas que haviam participado de seus governos anteriores, mas que abandonaram o Partido dos Trabalhadores devido a lentidão em aprovar o pacote de reformas necessárias para que estas mantivessem ou recuperassem suas margens de lucro.

Os péssimos resultados econômicos do governo Bolsonaro, mesmo com a aplicação e aprofundamento de várias dessas reformas, somado a desastrosa gestão da pandemia, fez com que o governo perdesse força junto à algumas frações da burguesia, em especial a industrial, e fortalecesse ainda mais o “centrão” perante a débil gestão bolsonarista. A derrota eleitoral de Trump nos EUA também foi um duro golpe nesta administração, pois Trump era a principal ligação de Bolsonaro com o imperialismo.

Nessa conjuntura, e com Lula flertando abertamente com os setores mais estreitamente ligados ideologicamente ao bolsonarismo, como as igrejas evangélicas, ao governo restou lançar mão de todo o poderio da máquina estatal na tentativa de reeleição, junto de seu poderoso aparato de produção e disseminação de propaganda e notícias falsas. Bolsonaro retirou dinheiro de setores estratégicos e causou um enorme rombo nas contas, desviando esse dinheiro para o “orçamento secreto”, uma forma de destinar dinheiro público aos parlamentares de sua base para que realizem obras ou atividades de compras de voto junto às suas bases eleitorais. Também ampliou repasses a benefícios sociais, com a apelidada “PEC Kamikaze”, que criou um estado de emergência para manobrar a legislação eleitoral. 

Ainda assim, pela primeira vez na história eleitoral brasileira, um presidente não conseguiu se reeleger. Isso porque o aparato estatal, numa democracia burguesa, é utilizado sempre para manutenção da fração burguesa que ocupa o governo. Bolsonaro não foi exceção à regra; a novidade foi não ter obtido sucesso. Mesmo com o governo lançando mão violentamente de todos esses recursos, a eleição foi vencida pelo candidato petista. A diferença de votos entre os dois candidatos, no 2º turno, foi de 2 milhões. Perdendo por pouco na maior parte das regiões, Lula teve ampla margem de votos a seu favor nos estados da região Nordeste e também venceu, com pouca diferença, em Minas Gerais, 2º maior colégio eleitoral depois de São Paulo. 

Assim que o resultado foi decretado, Biden e Macron logo saíram a parabenizar Lula pela vitória, seguidos de outros líderes do imperialismo mundial e dos governantes de turno da América Latina, demonstrando que o governo Lula servirá bem aos interesses imperialistas na região. Também não demorou muito para que grande parte da base bolsonarista já desembarcasse de seu governo, acenando para o próximo governo a gerenciar seus negócios. O governador eleito por São Paulo, aliado de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos), logo manifestou o interesse em colaborar com o governo federal. As igrejas evangélicas, que foram o principal sustentáculo ideológico do bolsonarismo nas periferias, já se pronunciaram, através de líderes como Silas Malafaia e Edir Macedo, que os resultados das eleições burguesas devem ser reconhecidos e respeitados, Edir Macedo, líder da Igreja Universal, chegou a afirmar que o PT deve ser perdoado pelos seus erros. O “centrão” parlamentar também deu as boas vindas ao novo governo, com figuras como Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara dos deputados) e Arthur Lira (atual presidente da Câmara), congratulando o novo/velho presidente e iniciando a negociação de cargos para apoiar o governo petista.

Por fim, restou o desespero da pequena burguesia e de alguns empresários bolsonaristas “radicalizados” pela máquina de profusão de “fake news” de Bolsonaro. Crentes de que houve alguma espécie de trapaça no processo eleitoral, e que seu presidente Jair Bolsonaro seja o vencedor de fato, se lançaram a ocupar avenidas e estradas em protesto, desejando de alguma forma reverter os resultados da eleição. Anseiam por uma recontagem de votos e também apelam às Forças Armadas para que garantam a ordem pelas armas. Tão embriagados estão em seu delírio, que não se deram conta que o próprio imperialismo já vinha há tempos sinalizando que Bolsonaro não serve mais aos seus interesses e portanto não há a mínima hipótese de uma ação nesse sentido. O próprio vice de Bolsonaro, o Gal. Hamilton Mourão tentou acalmar os ânimos dos manifestantes, que apelam às Forças Armadas por uma intervenção, afirmando que tal ação colocaria o Brasil em uma “situação difícil perante a comunidade internacional” e que a resistência ao governo Lula deve ser realizada de forma política.

Diante dos fechamentos de rodovias por caminhoneiros, empresários e pequena burguesia bolsonarista, as organizações centristas defendem a intervenção “independente” do proletariado para desobstrução das mesmas e a autodefesa como política às manifestações e atos de cunho fascista, pelo respeito à democracia e ao resultado eleitoral. Chega a ser um escárnio afirmar que a intervenção proletária em defesa da democracia (burguesa) ou do respeito ao resultado eleitoral, logo após ter defendido a participação nas eleições e o voto em Lula, seja uma política independente de classe. Ainda mais quando o fechamento de vias é uma das formas de manifestação e luta operária, pois impede a circulação de mercadorias e atinge a produção, junto com as ocupações de fábricas, locais de trabalho e estudo. Se a pequena burguesia faz uso dos métodos de luta históricos da classe operária para defender os interesses de uma fração da burguesia, é necessário que os trabalhadores imponham seus interesses e levantem suas bandeiras de classe em contraposição política e não atacando o método em si. 

 A população pobre, trabalhadores e torcedores organizados demonstraram que a ação direta contra os bloqueios bolsonaristas deve ocorrer e estar relacionada aos seus interesses, como a sua própria circulação e defesa contra os ataques covardes. Contudo, não é tarefa da classe trabalhadora garantir a circulação e a reprodução do capital, sendo essa garantia geralmente exercida pelo braço repressor do estado burguês, que é a polícia. Tanto que não demorou nem um dia para que o poder judiciário e os governos estaduais determinassem o desbloqueio das vias, inclusive com o uso da força, e que o próprio Bolsonaro tivesse que dar as caras para dizer que o bloqueio de rodovias é “coisa da esquerda”, solicitando que os manifestantes utilizassem outros métodos. Isolado e apesar de não reconhecer formalmente a vitória de Lula, Bolsonaro não tem se colocado à frente destas manifestações, limitando-se a fazer declarações dúbias sobre o respeito ao processo de transição e a legitimidade dos protestos que questionam o resultado.

O processo de transição iniciou-se oficialmente com a nomeação de Geraldo Alckmin, vice de Lula, pelo Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mediante suposições sobre o tamanho do rombo nos cofres públicos que será deixado pelo atual governo. Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda dos governos petistas e cogitado pelo mercado para ser o Ministro da Economia do novo governo, declarou que o rombo estimado por organizações independentes é três vezes maior do que o declarado pelo governo, aproximando-se de R$400 bilhões. Com isso, defende a flexibilização fiscal para o início do mandato e uma reforma administrativa “bem feita”. Alckmin já negocia com o relator do orçamento, Marcelo Castro (MDB), uma PEC “da Transição” para retirar do teto de gastos, as despesas “inadiáveis” e para as quais não há recursos disponíveis para o próximo ano, as quais incluem as promessas de campanha de Lula, como a manutenção do auxílio de R$600, recursos para merenda escolar, reajuste do salário mínimo, receitas para programa de saúde como o Farmácia Popular, dentre outros.

A política independente da classe trabalhadora, com a defesa de nossas pautas, em si mesma, é a contraposição e o enfrentamento direto não só contra as manifestações da pequena burguesia bolsonarista, mas principalmente contra a política do estado burguês em sua crise histórica que, sob qualquer governo de turno, avançará sobre a nossa classe. Está posto que, com o brutal endividamento público, com a queda histórica da produtividade e do investimento, o governo Lula, aliado com a burguesia, deverá aprofundar as reformas que impõem uma relação maior de exploração do capital sobre o trabalho, sob a total conivência das direções que blindarão o governo como forma de defesa da “democracia”. Ao defender a intervenção proletária em respeito à democracia e ao resultado das eleições, as direções políticas e sindicais dão carta branca ao governo Lula para fazer a transição com o governo Bolsonaro sem maiores incômodos. 

É preciso, portanto, levantar em cada sindicato e organização estudantil a necessidade de realização de assembleias que exijam das centrais sindicais a realização de um congresso de delegados eleitos pela base para a construção de um plano operário de saída da crise e de enfrentamento aos ataques; que coloque abaixo as reformas trabalhista, previdenciária, educativa e administrativa; que levante a luta pela escala móvel de horas e salários e a necessidade de expropriação dos expropriadores. É necessário também que, a partir de nossas estruturas, organizemos a autodefesa contra os ataques proto fascistas da pequena burguesia bolsonarista e, principalmente, contra o braço armado do estado burguês.

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